Mistérios da crise

Público, 17.10.2008, Vasco Pulido Valente

Ontem pelo mundo inteiro as bolsas caíram. Hoje, quinta-feira de manhã, continuam persistentemente a cair. O que quer isto dizer? Que os "planos" da "Europa" e da América não fizeram qualquer efeito? Que é preciso tempo para fazerem efeito? Que estão errados? Que são irrelevantes? Sabem os peritos o que é a crise? Depois de milhares de explicações, parece que não. Os mais fracos confessam. Um ou outro chega a admitir que ninguém percebe verdadeiramente o que se passa. Um economista célebre dizia anteontem na CNN: "Talvez meia dúzia de pessoas..." Talvez. Talvez nem isso. Até porque parte do problema está escondido. O crédito "tóxico" (que extraordinário eufemismo) foi criado e negociado à margem da contabilidade "respeitável" para uso externo. Onde pára, quanto pesa, que espécie de caos vai provocar? Não perguntem.Estranhamente, a perplexidade geral beneficiou os políticos. Em Portugal, Sócrates, muito apertado, e em risco de perder a maioria, emergiu de repente como uma espécie de "pai da pátria", tranquilizante e forte. Em Inglaterra, Gordon Brown, em vésperas de uma derrota histórica, produziu um plano "salvador", convenceu a "Europa", impressionou a América e passa agora (desconfio que por dias) pelo génio providencial do Ocidente. Sarkozy, que ainda andava há meses pelas ruas da amargura, resplandece em reuniões sobre reuniões, como se dele (ou delas) dependesse alguma coisa. A crise acabou por se tornar a salvação dos políticos falhados. Correndo gravemente de Paris para Bruxelas, de Bruxelas para Londres ou de Londres para Washington, falam e voltam a falar e a plebe, apavorada, que sempre os detestou, acredita neles.Pior do que isso, a gente do poder e a que mandou na economia e nas finanças durante 30 anos pede "confiança". É preciso "confiança"; a "confiança" é essencial; a "confiança" é, garantidamente, a redenção. Mas "confiança" em quê e em quem? Não com certeza num sistema que se derreteu e numa ordem global insustentável e absurda. Não num sistema "regulamentado", na essência, por quem dirigiu este. E em quem? Nas virtudes de entidades como o "povo", a nação - e o contribuinte? Também não. A "confiança" que se pede é precisamente entre os mesmos beneméritos da política e das finanças, que organizarem e provocaram o desastre. Para os "negócios" recomeçarem, tranquilamente, como dantes. Só que desta vez não irá ser tão fácil.

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