A família volátil e a imaturidade

Público, 23.10.2008, Pedro Afonso

Há pessoas que consideram que a concepção de uma família estável e duradoura é um pensamento retrógrado

Na nossa sociedade, há quem defenda que o progresso e a felicidade dos portugueses obrigam a uma mudança nas formas de organização das relações humanas, incluindo a vida em família e a família como instituição. O debate torna-se importante, uma vez que é na família que o indivíduo recebe o suporte económico, emocional e as mais eficazes e permanentes normas de sociabilização.Há pessoas em cujo espírito subsiste a ideia de que defender a concepção de uma família estável e duradoura, como alicerce para a saúde mental do indivíduo e para o bem da sociedade, corresponde a um pensamento retrógrado. Pressente-se, assim, que a estabilidade na família é vista com um cepticismo mordaz e como uma grilheta à liberdade individual.Embora careça de melhor explicação quais os modelos alternativos de família que defendem os vários partidos políticos, "a concepção de família alternativa" mais popular é aquela que fomenta as experiências individuais e rejeita um estilo de vida padronizado. Ou seja: viver bem e ser feliz não depende de uma forma-padrão. Nesta configuração, a família transforma-se numa união de pessoas que coabitam numa proximidade física e emocional, na qual a "paixão por viverem juntas" é o único compromisso de coexistência. Mas este é um conceito de família vago, permissivo e volátil, uma vez que, ora existe, ora deixa de existir. Trata-se de uma concepção de família que não deixa espaço para a estabilidade e que tem asco à responsabilidade, dado que, ao mínimo sinal de inconveniência, fracasso ou de risco, facilita a impulsividade e aponta inequivocamente a fuga como a melhor saída.Sabendo que a família é a instituição que deve garantir a dignidade humana e permitir a realização do indivíduo, é difícil vislumbrar qualquer vantagem para a sociedade na promoção da sua desestabilização.Cada vida humana é uma trajectória singular que deve ser percorrida em absoluta liberdade. Não devemos, por isso, cair em tentações moralistas, julgando o sucesso ou o insucesso desse percurso. Mas, em todo o caso, é preciso não perder a noção que o relativismo moral que prolifera na nossa sociedade também tem os seus perigos. As relações entre homem e mulher têm que ter um mínimo de exigência, não podem ser deixadas à deriva, sem que haja alguma ordem e regras. Promover a volatilidade absoluta nas relações familiares, sem direitos e obrigações prescritas, é promover a imaturidade. Por conseguinte, não posso concordar que defender uma concepção de família na qual a responsabilidade acaba por ser omissa seja o caminho para o progresso. Já há muito tempo que a Psiquiatria reconhece a importância da família no desenvolvimento do indivíduo e a sua ligação à psicopatologia. Qualquer alteração legislativa radical \u2212 democraticamente legítima \u2212 no regime jurídico do casamento tem fortes implicações individuais, familiares e sociais, cujas consequências são imprevisíveis. Porém, não se tem observado, por parte do legislador, a necessária prudência e o espírito dialogante que deveria acompanhar uma matéria tão sensível como esta. Resta esperar que a nova concepção de família não seja uma obsessão política invencível e que haja tolerância e responsabilidade democrática suficiente para se continuar a discutir este importante tema. Médico psiquiatra

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