A lei do que o Governo diz ser pluralismo
Expresso, 20081018
Henrique Monteiro
hmonteiro@expresso.pt
A lei do ‘pluralismo’ é completamente irritante. Na verdade, faz-me lembrar os artifícios totalitários de chamar a um facto o seu contrário, porque, a meu ver, esta lei longe de promover a pluralidade, quer padronizar e esterilizar a comunicação
O nosso Governo, vigilante dos males do mundo, decidiu avançar com uma lei do pluralismo e contra a concentração de meios de comunicação social.
Antes que me acusem de estar a fazer um frete ao patronato, digo que não estou (aliás na lei mostra-se preocupação com a independência dos directores em relação à propriedade, mas não tanto em relação ao Governo).
A verdade é que esta lei me irrita genuinamente. Porque ao favorecer o que o Governo, ou o ministro Santos Silva, entende ser o pluralismo, é preciso afirmar que aquilo que o ministro entende ser o pluralismo não é.
Irrita-me, porque o pluralismo existe se deixarem cada um expressar-se dentro dos limites da decência. Porém, ao contrário, o Governo delega na sua sacrossanta ERC o quando e o quanto nos podemos expressar. Numa palavra, o Governo quer que a Comunicação Social deixe de ter relevância à força de ser ‘pluralista’.
Temo, pois, que o ano de 2009 seja marcado pela exigência de cada jornal ter de consagrar o mesmo espaço a cada força política. Temo que cada segundo na TV e rádio e cada linha na Imprensa sejam contados. E temo que o ministro venha com o seu sorriso paternalista explicar que - isto sim - é o célebre pluralismo que decorre da nossa Constituição.
Pois bem, eu ando nesta vida há 30 anos e, sem lei nenhuma, sempre vivi com pluralismo. Desde logo, porque sempre trabalhei em empresas privadas e nunca tive de aturar pressões de um Richelieu de ocasião. Ao longo destes 30 anos, embora tenha testemunhado pressões e tentativas de condicionamento, quase todas elas vieram da política e nenhuma de um patrão ou gestor de imprensa.
Sei que quase toda a gente mede os outros por si próprio. Por isso, creio que o dr. Santos Silva, caso fosse proprietário de um meio de comunicação, acharia que tudo teria de ser a seu gosto. Mas não é assim. Todos os proprietários e gestores de imprensa, todos os directores de jornais sérios sabem que o seu poder é limitado por circunstâncias, pelo seu público, por factos objectivos, pela conflitualidade própria das suas redacções. Desta desordem nasce o pluralismo. Da regulamentação que nos andam a tentar impor nasce a burocracia e a intromissão excessiva dos políticos e dos seus agentes na vida de um jornal livre.
E ainda que assim não fosse, é a pluralidade de projectos que faz o pluralismo e não a obediência de todos aos mesmos parâmetros. De acordo com esta lei, nem o ‘El País’ nem o ‘New York Times’ são pluralistas. É preciso dizer mais?
Henrique Monteiro
hmonteiro@expresso.pt
A lei do ‘pluralismo’ é completamente irritante. Na verdade, faz-me lembrar os artifícios totalitários de chamar a um facto o seu contrário, porque, a meu ver, esta lei longe de promover a pluralidade, quer padronizar e esterilizar a comunicação
O nosso Governo, vigilante dos males do mundo, decidiu avançar com uma lei do pluralismo e contra a concentração de meios de comunicação social.
Antes que me acusem de estar a fazer um frete ao patronato, digo que não estou (aliás na lei mostra-se preocupação com a independência dos directores em relação à propriedade, mas não tanto em relação ao Governo).
A verdade é que esta lei me irrita genuinamente. Porque ao favorecer o que o Governo, ou o ministro Santos Silva, entende ser o pluralismo, é preciso afirmar que aquilo que o ministro entende ser o pluralismo não é.
Irrita-me, porque o pluralismo existe se deixarem cada um expressar-se dentro dos limites da decência. Porém, ao contrário, o Governo delega na sua sacrossanta ERC o quando e o quanto nos podemos expressar. Numa palavra, o Governo quer que a Comunicação Social deixe de ter relevância à força de ser ‘pluralista’.
Temo, pois, que o ano de 2009 seja marcado pela exigência de cada jornal ter de consagrar o mesmo espaço a cada força política. Temo que cada segundo na TV e rádio e cada linha na Imprensa sejam contados. E temo que o ministro venha com o seu sorriso paternalista explicar que - isto sim - é o célebre pluralismo que decorre da nossa Constituição.
Pois bem, eu ando nesta vida há 30 anos e, sem lei nenhuma, sempre vivi com pluralismo. Desde logo, porque sempre trabalhei em empresas privadas e nunca tive de aturar pressões de um Richelieu de ocasião. Ao longo destes 30 anos, embora tenha testemunhado pressões e tentativas de condicionamento, quase todas elas vieram da política e nenhuma de um patrão ou gestor de imprensa.
Sei que quase toda a gente mede os outros por si próprio. Por isso, creio que o dr. Santos Silva, caso fosse proprietário de um meio de comunicação, acharia que tudo teria de ser a seu gosto. Mas não é assim. Todos os proprietários e gestores de imprensa, todos os directores de jornais sérios sabem que o seu poder é limitado por circunstâncias, pelo seu público, por factos objectivos, pela conflitualidade própria das suas redacções. Desta desordem nasce o pluralismo. Da regulamentação que nos andam a tentar impor nasce a burocracia e a intromissão excessiva dos políticos e dos seus agentes na vida de um jornal livre.
E ainda que assim não fosse, é a pluralidade de projectos que faz o pluralismo e não a obediência de todos aos mesmos parâmetros. De acordo com esta lei, nem o ‘El País’ nem o ‘New York Times’ são pluralistas. É preciso dizer mais?
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