Ser Vivo

MARTA D'OREY   FACEBOOK

Ser vivo é complexo. Exige moléculas, átomos, partículas e uma imensidão invisível de linhas e entrelinhas que escapam ilesas ao olho nu. 
Funcionar não exige engenho até se dar o curto-circuito. Dar à manivela não endurece o músculo, até ao dia em que o faz doer. Respirar é simples, até deixar de o ser. 
A doença muda o olhar. O que temos sobre nós, o que os outros têm sobre quem somos, e, o foco principal enquadra o filme da vida num ecrã maior. Porque a perfeição só é percebida, quando deixa de o ser, e o que se tem só se faz sentir quando já não há nada a perder.
Dentro de mim, tenho uns pulmões sem direito ao título, e o garantido de uma inspiração que preenche o peito é um ideal longínquo preso em cordas e amarras que me afogam o ar. Não vou mentir, porque dói. Não vou mentir, porque é um sufoco desesperante suplicar por oxigénio. Não vou mentir, porque quando a realidade se começa a distorcer, é a minha vida que desvanece.
E já foram várias as vezes em que me deitei naquela sala de luz fluorescente e cheiro a éter, com os lábios tingidos de azul, a pele encharcada em suor e lágrimas, a respiração ofegante por se fazer suficiente, os sentidos a escaparem-me por entre os dedos, e os médicos a rodearem-me o corpo inerte numa tentativa desesperada de o trazer de volta. E de todas essas vezes, tive medo. Tive medo, porque em todas elas vi o botão de “STOP” ao alcance de um palmo. Mas acabei por me encostar no modo “PAUSA”, para depois voltar a pressionar o “PLAY”.  
Não sou lutadora, porque neste jogo não sou mais que uma peça num tabuleiro de Xadrez, e ser forte não é ser indestrutível, é persistir com inteligência. O saber que ganhei ao passear na linha bamba, foi a verdade assinalada no tratado que nos certificou a vida. Aquela que está sempre lá, à socapa até nos apanhar desprevenidos, aquela que é de todos e de cada um. E essa verdade, é o fim. Sem tabus ou filtros. Sem palavras caladas e frases entre cortadas. Porque a morte existe, acontece, e não nos foge quando se vira para apanhar. 
Assim, eu oiço-lhe a voz e deixo que me faça estremecer. E na vantagem do medo que desperta, grito-lhe mais alto com o tempo que não compro, mas que faço valer. Não a pena. Mas o milagre onde se compõe o meu ADN.

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