Eutanásia: Sim ou Não

CATARINA GUERREIRO    NOTÍCIAS MAGAZINE    22.01.17

O debate sobre a eutanásia está de regresso. Uma petição no Parlamento pede a despenalização dos profissionais que ajudem os doentes a morrer. Outra apela aos deputados para rejeitarem essa ideia. A pediatra Ana Jorge e a psiquiatra Margarida Neto são prova da divisão que existe até na classe médica.

Promete dividir Portugal nos próximos tempos e provocar discussões de norte a sul. A controversa eutanásia está de volta: o Parlamento prepara‑se para agendar o debate de uma petição a defender a «Despenalização da morte assistida», com mais de oito mil assinaturas. Ao mesmo tempo, uma outra petição («Toda a vida tem dignidade») que será também entregue em breve na Assembleia da República pede aos deputados que rejeitem a eutanásia.
Nem os médicos escapam à divisão. Se uns acham inconcebível a ideia de antecipar a morte, outros defendem a necessidade de despenalizar os profissionais que a praticam. A psiquiatra Margarida Neto, de 56 anos, e a pediatra e ex‑ministra de Saúde Ana Jorge, de 68, são exemplo da diferença de opiniões que existe entre os profissionais. «Aprovar a petição e despenalizar os médicos seria transformar os hospitais em locais onde se mata», diz Margarida Neto, uma das 14 mil signatárias do documento que contesta a eutanásia. Mas para Ana Jorge isso não faz sentido. «Os hospitais são, sim, locais para cuidar das pessoas. E o que é cuidar das pessoas? É ajuda‑las a viver e a terem um final de vida com o menor sofrimento possível.» Por isso, alega a antiga ministra, «faz todo o sentido que um médico não seja punido» se ajuda um doente a pôr fim a um sofrimento. Até porque, como diz, nenhum médico o «fará de ânimo leve e será uma decisão muito refletida».
Em resposta, Margarida Neto frisa que essa posição «não é compatível com o juramento de Hipócrates que os médicos fazem». E, nesse campo, Ana Jorge admite que a ideia de ajudar o doente a autoadministrar o medicamento letal, ou faze‑lo por ele, é complexa. «Eu própria não sei se faria. Mas acho que quem o faz não deve ser penalizado.» Uma posição que a outra médica critica. «Isso é uma incoerência.» Para Margarida Neto, esta situação faz‑lhe lembrar o aborto: «Aprovam mas depois ninguém quer fazer.»
Uma e outra concordam, porém, que é preciso apostar nos cuidados paliativos. Mas se Ana Jorge diz que há situações de doença em que não são suficientes, a colega garante que, segundo os profissionais da área, «hoje em dia é possível tratar toda a dor e até aliviar a falta de ar, controlando a angústia».
A psiquiatra sublinha ser importante olhar «para o que se passa na Bélgica, onde a depressão e o Alzheimer podem ser critério para a eutanásia», e aproveita o caso de Mário Soares para explicar melhor o que defende: «Não se apressou nem atrasou a morte.» Já Ana Jorge refere que não conhece o caso clínico concreto para comentar, lembrando que o antigo presidente da República estava inconsciente, o que, para ela, é uma forma de evitar o sofrimento. Segundo diz, é a favor de se induzir o «estado de inconsciência a alguns doentes, o que muitas vezes “acelera a morte”». Aliás, já se arrependeu de em tempos não ter dado medicação mais agressiva para colocar num estado de inconsciência um familiar que estava numa situação muito má.
Margarida Neto aceita a sedação como uma das «boas práticas médicas» que pode ser aplicada, mas com alguns limites. «Acho que toda esta diferença de opiniões resulta mais de uma questão ideológica do que da razão» conclui Ana Jorge. Mas nem nisso Margarida Neto está inteiramente de acordo. «Só em parte é ideológica, pois também resulta da relação que cada um tem com o sofrimento e com a morte.»

ANA JORGE
É pediatra e foi duas vezes ministra da Saúde de governos socialistas, primeiro de 2003 a 2005 e depois de 2009 a 2011. Atualmente, com 68 anos, está a coordenar a unidade de missão do Hospital da Estrela, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que em breve abre as portas.

MARGARIDA NETO
Trabalha como psiquiatra na Casa de Saúde do Telhal (Mem Martins, Sintra). Tem participado em movimentos cívicos, como sucedeu no aborto, tendo sido uma das dinamizadoras do grupo Direito a Nascer. A médica, de 56 anos, está agora envolvida na criação de movimentos contra a eutanásia.

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