A letícia dentro da normalidade III: Os alunos
iNÊS AVELAR SANTOS 11.01.17 WWW.REVISTAPASSOS.PT
Os alunos
De volta ao ISA, desta vez venho ter com Catarina, que foi aluna do Pedro e está agora a acabar o
mestrado. Encontramo-nos à entrada do edifício principal e, a caminho do Chalé. Não perde tempo:
“todos os alunos gostavam do professor Pedro, pela relação que ele fazia questão de ter com cada
aluno; queria conhecer cada aluno e era muito mais atento do que nós achávamos! Era muito nosso
amigo”.
Uma das coisas que só o Professor Pedro fazia ... “Na primeira cadeira que tínhamos com ele, o
Professor fazia-nos uma entrevista um a um, sozinhos no gabinete dele. E fazia-nos uma pergunta
sobre a nossa vida toda e depois tirava-nos uma fotografia, que depois na última cadeira que
tivéssemos com ele nos mostrava. Fazia também imensas visitas de estudo, com grandes almoços
e isso era o que unia as turmas e os professores das turmas. Organizava sempre visitas de estudo
que incluíam almoço, mais uma vez com o intuito de que as pessoas se conhecessem...e não ser
só estar só atrás da carteira nas aulas”.
Na organização das missões universitárias de 2014 do ISA, de que Catarina fazia parte, decidiram
convidar o convidar o Professor Pedro para dar um testemunho.“Nós não só vimos o professor fora da aula, como vimos um professor metido num programa de
alunos e a dar-nos um testemunho sobre a sua vida. O professor começou por dizer pediram-me
para falar sobre como é ser católico no dia-a-dia e eu não posso falar sobre isto, sem falar daquilo
que está realmente presente na minha vida, que é a família. Também nas aulas acontecia isso,
achávamos que ia acontecer uma coisa e acontecia outra. Acima de tudo porque mais do que nos
ensinar as coisas, ensinava-nos a pensar sobre elas”.
O que mais impressionou Catarina foi que “o professor teve uma vida desafiante, com muitas
exigências de Deus e ele ao falar naquele testemunho teve a mesma atitude que teve todos os dias,
que é a de nunca o termos visto triste. Aquilo que o professor estava a contar não era ‘como é que a
vida desafiante dele o tinha marcado’, mas sim ‘como é que Deus o tinha puxado através dos
desafios que lhe tinha posto à frente’”.
Conta que quando o convidou, o professor respondeu: “Sim, sim, vou lá falar. Mas olhe gostaria de
falar consigo sobre uma outra coisa. O que é que se anda a passar consigo?”. Tinha percebido que
as notas da Catarina estavam a descer. Surpreendida, respondeu: Sabe professor, eu se calhar
agora acho mais importante dar prioridade a isto da Missão, e entre prioridades...”. E comenta, “e o
professor, que eu achava que ia concordar comigo (se alguém, de entre todos os professores, iria
concordar comigo, era o Professor Aguiar Pinto, que era O professor católico, que punha as citações
da Bíblia nos slides, etc.) e ele disse: Não não não! Nós precisamos de bons profissionais! Antes de
todas as coisas que você acha que está a fazer para o bem da Humanidade, antes disso tem uma
obrigação e é esta obrigação!”
Chegamos ao Chalé, desta vez, para falar com Ricardo, ex-aluno e assistente do Pedro. A propósito
da entrevista que fazia a cada aluno, Ricardo conta que foi uma inovação mais recente: “eu noto,
primeiro como aluno e depois como colega, que a relação que ele tinha com os alunos ia evoluindo
muitíssimo, no sentido de se preocupar mais com a pessoa. Tinha um cuidado; preocupava-se muito, não era só dar a nota e pronto; sempre que um aluno estava em risco de chumbar chamava-o, chamava-me (eu dava as práticas) e falávamos discutíamos aquele aluno em particular”.
Sobre a amizade entre os dois, conta-nos que “começa muito pela parte técnica, como aluno,
depois como meu orientador. E depois surge o resto. É das poucas pessoas que conheço que tinha
uma autoridade moral. Quando falava dizia coisas muito acertadas. Falava pouco, mas quando
falava desarmava, e muitas vezes ali naquele gabinete apanhei umas correções; e pronto, tinha
razão!”.
Acrescenta, com admiração, que “Tecnicamente o Professor Aguiar foi um pioneiro. Todos os
trabalhos que há em Portugal que têm como base a modelação de culturas, têm como base a escola
que ele fundou em Portugal. O que faz a análise de sistemas é agarrar em todos os especialistas e
especialidades da agricultura e integrar tudo num só sistema articulado. O especialista dedica-se à
folha e é preciso alguém para ver a floresta”.
Com vivacidade, Ricardo nota ainda: “não pertencendo eu a dois terços do seu mundo, tínhamos
uma afinidade impressionante! Eu não sou católico, apesar de baptizado, não sou praticante. Nós nem politicamente estávamos de acordo, mas tínhamos uma grande afinidade! E isso é curioso,
porque demonstra que não é necessário pensar igual para termos uma amizade”.
Catarina confirma: “O Professor não se aproximava dos alunos que eram iguais a ele. Nunca deu
mais atenção aos alunos católicos. Não havia nenhuma distinção. Sabia o nome de todos os alunos,
todos os alunos eram iguais, nunca fez perguntas a favor dele, do género “como é que tu és
parecido comigo?”
Ricardo lembra ainda que “uma coisa que o Professor Aguiar dizia muito e que ele achava
fascinante na agricultura era o inexplicável na criação da vida, de chegar ali e pôr uma semente e
surgir... aquilo fascinava-o. Nós até conseguimos perceber as enzimas todas e tudo o mais, mas há
aqui uma parte misteriosa. E o Professor alimentava muito este fascínio. Há ali qualquer coisa que
não se explica. E eu, que sou ateu, não tenho espaço para isto!”
Volto com a Catarina para a entrada da faculdade. No caminho, desabafa: “A vida do professor
lembra-me a história de Job, era muito devoto e Deus foi-lhe tirando tudo. E ainda assim, era mais
feliz do que todos nós!”
Comentários