Eu, europeu
Pedro Lomba
DN, 2009-04-16
Mas que bela manhã em Bruxelas. A cidade brilha, as pessoas vivem ágeis e vibrantes, as mães dão a mão às filhas, os cafés ostentam toalhas brancas. Abençoada cidade. Maldita por tantos que apenas a vêem como uma espécie de Agualva-Cacém de Paris, um subúrbio de desconfiança como são todos os subúrbios. Eles não sabem nem sonham como as periferias são redentoras. No romance O Conde de Abranhos, Eça satiriza um político que "conhecia a nossa legislação mas sobretudo a da Bélgica, o seu país preferido". Acreditem ou não, mas a Bélgica já foi motivo de copiosas reverências, de babosas admirações. Agora a Bélgica é essencialmente Bruxelas. Tratando-se da capital administrativa da Europa, toda a legislação vem daqui.
E é numa manhã como esta, quando o mundo parece ordeiro e solene, que me apresento para entrar na Rua Wiertz, n.º 60, 1047. A minha primeira vez no Parlamento Europeu. A primeira oportunidade de uns minutos à porta fechada com a eurocracia. Sempre achei que só há uma maneira de desmistificar o poder: passar algum tempo com ele. Os políticos são iguaizinhos a nós. Os políticos, em rigor, não existem. Existe o sr. João e o sr. Avelino. Políticos esforçados e relapsos, aconselháveis e desaconselháveis. Não os julguem em grupo mas sim um a um.
Com o salvo-conduto ao peito, vou num grupo que pretende conhecer quem nos representam a "nós, europeus". Novas culturas, conversas em 27 línguas. O Parlamento Europeu é tido como um poder distante. As eleições europeias são escassamente participadas. Com excepção dos nossos eurodeputados (e nem todos), não sei se conheço algum eurodeputado de renome. Sim, Daniel Cohn-Bendit. Quem mais? A escandalosa Alessandra Mussolini da categoria sub-40 e neta do Benito, ainda será eurodeputada? Não a vi.
O Parlamento Europeu tem mudado muito nos últimos 15 anos. Ganhou influência e poderes. Tem hoje mais deputados e mais funcionários (nos 54 mil das instituições da Europa). Faz política a sério. Talvez por isso, o interior do Parlamento Europeu impressiona pela dimensão. Lembra em muito um grande centro comercial. Portas e mais portas, escadas, gente a circular, um cabeleireiro e um enorme corredor que claramente me pareceu ser o sítio de engate. Acho que seria possível viver dentro do Parlamento Europeu. Com uma melhor livraria, porque a que vi não chegava.
Quem aqui vive mesmo é o meu recém-amigo Hanif, que todos os dias vai para o Parlamento em busca de apoio à oposição do regime iraniano. Grande homem. Falamos 30 minutos e, quando me despeço, não sei como sair. Pergunto a um engravatado onde é a saída mais próxima. Passa por nós uma eurodeputada da Estónia e fica o assunto resolvido. "O melhor é seguir esta senhora." E eu segui.
PEDRO LOMBA
Comentários
Acha Mem-Martins, Rio-de-Mouro, Queluz ou Amadora interessantes?
Talvez para si, Damaia seja a localidade de eleição.