João Miguel Tavares
Notícias magazine 12-04-2009
Quando eu e a Teresa descobrimos que o terceiro filho vinha a caminho, rapidamente concluímos de onde viria a primeira machadada na nossa conta bancária: tínhamos de comprar um carro novo. O automóvel contemporâneo não está preparado para um nível demasiado acelerado de procriação, e ter três filhos no espaço de quatro anos estava para lá das capacidades dos bancos traseiros do nosso Golf: duas cadeiras artilhadíssimas e um ovinho para o bebé não cabiam lado a lado. Por isso, tivemos de investir num monovolume, nome elegante para definir um veículo obeso, que nos primeiros tempos nos faz sentir como se estivéssemos a conduzir o 64 para a Damaia.
Como se já não bastasse ter de trocar um carro ágil por um pote de metal a bem da renovação das gerações, eis que uma ida às Finanças por parte do meu pai (que, bendito seja, me continua a ajudar no escrupuloso cumprimento das leis) levou a que eu amaldiçoasse ainda mais o carro, as Finanças, o governo da nação e, de caminho, o défice de fotossíntese que existe no mundo. Tendo nós adquirido o automóvel no início de 2008, estava na hora de pagar o novo imposto único de circulação - IUC, para os amigos. O meu pai telefonou-me à saída da repartição: «Olha, o teu carro paga 192,36 euros de IUC.» Fiquei com dificuldades em ventilar. «Cento e noventa quê?» «Cento e noventa e dois euros e trinta e seis cêntimos.» Um valor que quadruplica o que pagava anualmente de selo pelo meu antigo automóvel. «É por causa das emissões de carbono», esclareceu-me o meu pai, com uma voz vinda das entranhas de Quioto. «Ai, o f**** d* p*** do carbono», murmurei eu, sem estrelinhas.
Fui investigar. Parece que o meu carro, tendo em conta o seu peso e a sua cilindrada, deve ser exemplarmente castigado pelo dióxido de carbono que emite. Cada vez que dou à ignição, cinco árvores desabam na Amazónia. Cada vez que acelero, o deserto do Sara avança mais um metro. Cada vez que me enfio numa auto-estrada, um urso polar fica com mais calor. O meu carro tem uma pegada ecológica do tamanho da de Gulliver na terra dos liliputianos. E o governo do meu país está a fazer-me pagar por isso, matando (se me permitem a metáfora ecologicamente incorrecta) dois coelhos de uma só cajadada: passa por amigo do ambiente e mete mais dinheiro no bolso.
Eu percebo este raciocínio. Na verdade, até simpatizo com ele. Mas aplicado a quem tem carros descapotáveis de 150 cavalos. Caros senhores dos impostos: eu tenho um monovolume. E ninguém tem um monovolume se não for para o encher de criancinhas. Uma pessoa pode comprar uma carrinha só para ter espaço para os skis. Um monovolume, não. Aquilo é chato. É pesado. Não anda. É um exclusivo de famílias numerosas. Portanto, porque é que eu hei-de ser prejudicado por ter de transportar os filhos que meto no mundo? É certo que as minhas três crianças também emitem algum carbono. Mas façam-me um favor: dividam a pegada do meu carro por cinco. Assim é que seria justo. Iam roubar para outro lado, e ficávamos todos amigos outra vez.
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