A surpresa eleitoral do próximo domingo

Manuel Villaverde Cabral
Observador 30/9/2015

A comunidade mediática não vai muito mais longe, em matéria de sondagens, do que contar os votos. Para lá disso, tudo rapidamente se torna num jogo mais ou menos divertido conforme quem ganha ou perde
A menos de uma semana da votação, a grande surpresa é, para todos, eleitores e partidos, a provável vitória da coligação eleitoral apresentada pelo actual governo, quem sabe se levando a vantagem até à maioria absoluta. Imagina-se, ao invés, o desapontamento de uma «esquerda» que todos acreditavam destinada a uma vitória infalível dos adversários da «austeridade», a começar por aqueles que foram responsáveis pela deriva económica e financeira que levou o país à bancarrota em 2011. E o curioso é que falta ainda uma boa parte da explicação para esta surpresa geral!
Num dos artigos mais fundamentados desta campanha, o cientista político e especialista de sondagens Pedro Magalhães procura explicar por que razão «é possível que a coligação tenha hipótese de ganhar esta eleição depois de quatro anos de austeridade». Opta ele por atribuir a surpresa ao facto de o impacto efectivo da austeridade em Portugal ter acabado por ser exagerado pela oposição. Não duvido mas parece-me um bocado tarde para o PS ser confrontado com esta realidade estatística que já se perfilava antes da saída da «troika» e da qual se podia tomar consciência através da informação estrangeira mas também as estatísticas nacionais, como fizemos aqueles que desconfiávamos dos títulos dos jornais…
Não é crível, contudo, que o partido destinado a subir os degraus de S. Bento triunfantemente no próximo domingo venha admitir esta conclusão desastrosa para a táctica inflamatória que usou a fim de atingir os seus objectivos de poder. Nem é certo que a liderança que rodeia António Costa já se tenha apercebido do erro monumental que cometeu. Pois se o próprio Presidente da República, politicamente conservador e economista de profissão, tremeu com a ameaça da «espiral recessiva», como é que os jovens turcos do PS resistiriam a jurar pelo Syriza?
Pedro Magalhães não enfrenta este problema no seu artigo, mas aborda-o indirectamente num texto anterior, fornecendo então uma pista para desfazer a actual surpresa. Argumenta o autor que a comunidade mediática portuguesa não vai muito mais longe, em matéria de sondagens, do que «contar os votos». Para lá disso, tudo rapidamente se torna num jogo mais ou menos divertido conforme quem ganha ou perde. Acredito que houve muito disso, mas a razão não foi apenas a vocação crescente dos media para transformar processos sociais complexos em meras «corridas de cavalos»: foi também a questão de um novo tipo de cinismo mediático.
É exacto que a maioria dos jornalistas não faz «as perguntas certas», como explica Pedro Magalhães, mas neste caso houve muito mais do que isso. Houve – e é aí que pretendo chegar – desde a produção deliberada e sistemática de eventos político-partidários que só se espalharam porque os media assim o quiseram, como é o caso da chamada conspiração da «Quadratura do Círculo», até à disseminação inesgotável de informações parciais e frequentemente não verificadas, como as que levaram à produção de cartazes de falsos desempregados!
A própria cultura fornecida pelas universidades aos estudantes de comunicação social explica sem grande dificuldade, não tanto as preferências partidárias, mas algo que corresponde a um «estilo» mediático que valoriza por sistema o minoritário e o imaginário. Esse estilo é o resultado de uma ideologia contestatária bem conhecida, mas sem âncoras sociais nem viabilidade política, como veio a ser tipificada por essa espécie de filme de êxito apregoado mas sem espectadores, como é o BE entre nós… Foi essa «retórica da denúncia», derramada ininterruptamente pelos jornais e televisões, que criou a visão auto-promocional dos adversários da «austeridade», os quais obviamente nunca se colocaram o problema das consequências das suas quiméricas soluções, ao mesmo tempo que deixavam ao velho PCP a missão de encher ritualmente as ruas de protestos mais corporativos do que realmente espontâneos!
E tanto repetiram o discurso que acabaram por acreditar nele. Entretanto, o público pagante e os assalariados e pensionistas com rendimentos cortados economizaram na propaganda e, como ensina a teoria da «espiral do silêncio», quanto mais baixo é o chamado capital social das pessoas, mais estas se retraem perante os entrevistadores profissionais, os quais se convencem de que respostas como a abstenção ou indecisão não são influenciadas pelas perguntas e pelo meio ambiente mediático.
Eis senão quando, de há dez dias para cá, sempre que algum inquirido se atreveu a insinuar a possibilidade de votar na «direita», levantaram-se logo duas outras pessoas a admitir a mesma intenção de voto. Passos Coelho foi aliás o único que se apercebeu disso. Daí a acabar a abstenção, assim como os votos nulos e brancos, cujo conteúdo político já devia ser claro para todos os «players» do jogo partidário, vai uma grande distância que se explica pela impotência misturada de raiva de muitos dos excluídos da oligarquia político-partidária perante a falta de perspectivas claras. É destas que será urgente falar a partir de domingo à noite. Assim se percebe melhor a surpresa que nos aguarda perante a tal eleição que iria pôr fim à «austeridade». Como tenho argumentado, a «austeridade» tem muito que se lhe diga.

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