O monólogo de um homem só

Público, 02.01.2009, Helena Matos

Eu devo. Nós devemos. - são estas as formas verbais dominantes deste discurso. O verbo dever é várias vezes repetido por Cavaco Silva e cruzado com expressões que remetem invariavelmente para uma necessidade de verdade: "Devo falar verdade"; "As ilusões pagam-se caras"; "Não devo esconder", "Há uma verdade que deve ser dita"...Como era tudo tão diferente no discurso presidencial de Ano Novo de 2008. Foi apenas há 365 dias mas então expressões programáticas como "É preciso que haja mais investimento" ou "É preciso o trabalho e a determinação de todos" deixavam ainda uma larga margem para o optimismo, convencional ou não, que os Presidentes da República é suposto reiterarem.Agora, em 2009, temos um homem fortemente apreensivo e um homem só. Seria simplista considerar-se que essa solidão presidencial resulta das tensões com o Governo. O mundo de ilusões que Cavaco Silva considera urgente desfazer não se resume às bolas de sabão da propaganda governamental. Longe disso. Que outro mérito não tenha tido o comportamento da Assembleia da República e dos partidos a propósito do Estatuto dos Açores, teve pelo menos a utilidade de mostrar o autismo que assola quer os partidos, quer a AR. Mais grave ainda: será que o povo quer essas ilusões desfeitas? Cavaco Silva sublinha até que "é sabendo a verdade, e não com ilusões, que os portugueses podem ser mobilizados para enfrentar as exigências que o futuro lhes coloca." Após o falhanço do ímpeto reformista deste Governo - que é apenas mais um a falhar o que outros nem sequer tentaram - talvez seja esta a ilusão que ainda resta a Cavaco Silva: a de que os portugueses querem a verdade. Nos próximos 365 dias veremos quem perde as ilusões.

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