Um tabu a romper: a indústria da eutanásia dos velhos

Eduardo Cintra Torres
CM 2012-01-20

Todas as sociedades têm interditos, ou tabus; vivemos bem com eles, não vivemos sem eles. Uns estabelecem normas de vida, como o do incesto ou do assassínio. Outros referem-se a coisas comezinhas, como não passar debaixo duma escada.
O termo polinésio tabu passou da antropologia à linguagem comum: a palavra tabu é forte, mas usa-se como eufemismo para evitar "interdito" ou "proibição". Por paradoxo, dizemos tabu para não expressarmos por inteiro o interdito a que se refere.
O jornalismo não podia deixar de ter tabus. Não me refiro ao abuso da palavra por moda, como a recusa dum político de anunciar uma candidatura no momento e no local que agradaria aos jornalistas, mas aos autênticos, como o do suicídio. Por consenso, o jornalismo decidiu não o noticiar, pois a publicitação pode induzir outros suicídios. Nem sempre houve este tabu jornalístico, o que mostra como a criação, vida e quebra de tabus varia no tempo. No excelente jornalismo português do início do século XX, liam-se centenas de notícias de tentativas com ou sem êxito de suicídios. Hoje há um limite auto-imposto da liberdade de imprensa por consenso que é aceite pela esmagadora maioria. Nunca vi ninguém contrariá-lo.
Mas há outros tabus que conviria ao jornalismo romper. Um deles é o da maneira como tratamos os velhos. Não digo idosos, porque idosos é outro eufemismo para esconder a terrível realidade da velhice de centenas de milhares de concidadãos. Ontem, vi na RTP 1 uma notícia sobre uma "idosa" que morreu sozinha por fogo num "apartamento que servia para acolhimento de pessoas acamadas", em Meadela. Não interessa aqui se o lugar de "acolhimento" estava legalizado. Interessa que a sociedade, as pessoas, nós, empurramos os velhos para armazéns de "acolhimento" e "lares" (outras palavras que adoçam a realidade do tabu). Estes velhos são mais indefesos do que as crianças, eudeusadas pela sociedade actual (basta ver as notícias falando dos milhares que vão para a escola com fome e ignorando, sempre, os pais dessas crianças, que não são monstros e também passam fome). A sociedade condena à morte triste e lenta centenas de milhares de velhos, consentindo-a. São depositados onde quer que seja, muitos em condições infames, pelos próprios filhos. O jornalismo não deveria apenas noticiar os "lares" ilegais que encerram e os velhos que morrem por incúria. Deveria romper o silêncio consentido de toda a sociedade sobre os que abandonam os velhos e sobre a permitida indústria da morte lenta, uma eutanásia de que é tabu falar.

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