Três homens corajosos

DN 2013-01-14 JOÃO CÉSAR DAS NEVES

Pedro Passos Coelho é a pessoa mais odiada em Portugal. À sua volta surgiu um verdadeiro festival de insultos à desgarrada. O facto é compreensível e ninguém se surpreende. Nem ele. Mas merece análise cuidadosa.
O primeiro-ministro já fez vários erros, alguns graves. Curiosamente, é insultado sobretudo pelo que faz de bem. Nem ele nem o Governo têm culpa da conjuntura, por razões cronológicas. Pode dizer-se que o tratamento é errado e sugerir alternativas, que teriam de ser credíveis. O que não se pode é protestar pelo sofrimento, como se o mal tivesse cura indolor. Todos vêem a necessidade dos cortes, mas acusam quem corta e não quem criou o défice. A generalidade dos críticos nem faz a menor ideia da circunstância, pressões e dificuldades da tarefa. É fácil governar no sofá!
Domina aqui a estranha transposição de acusar o médico pela doença. O País no meio da dor tem saudades da euforia que nos trouxe à ressaca e sorri às forças que só complicam com protestos interesseiros e inúteis. Entretanto odeia Merkel e o FMI, que nos emprestam dinheiro, e despreza o Governo que tenta reformas há décadas indispensáveis. A consequência paradoxal é que, perante o sofrimento inevitável, quem acaba por beneficiar são os inimigos. O elementar bom senso mostra a falácia.
A espiral imparável de acusações obsessivamente repetidas acerca do primeiro-ministro também tem falta de lógica. Pretender arruinar o País, desmantelar o Estado, atacar os cidadãos, sacrificar os pobres, vender Portugal ao estrangeiro, são coisas que nenhum político profissional faria. Nem é possível alguém chegar àquela posição sendo o poço de vícios, monstro de estupidez, portento de mentira ou expoente de incompetência que continuamente o acusam de ser. Como explicar que um país civilizado e democrático no século XXI tivesse eleito o seu pior adversário para chefe do Governo? Essa opinião só pode ser intoxicação por demasiados filmes de supervilões.
Passos Coelho é um político profissional que, como todos, pretende agradar, ganhar votos, ser popular. Essa é a profissão dele e para aí orienta todas as fibras do seu ser. A última coisa que ele, como qualquer dos colegas no Governo e na oposição, quereria é impor austeridade, obrigar a sacrifícios, forçar cortes e ajustamentos. É verdade que tem sido precisamente isso que anda a fazer nos últimos meses e se propõe continuar nos próximos. Perante tal deveríamos ficar surpreendidos. Não faz qualquer sentido garantir que o percebemos bem e depois apresentar uma explicação evidentemente desmiolada. Se ele fosse o que o acusam de ser, violaria as leis da natureza.
Daqui sai outra conclusão importante: estas medidas não podem vir dele. Elas são forçadas pela conjuntura e teriam de ser tomadas por qualquer outro político ou partido responsável. Assim não nos mostram se Passos Coelho é bom ou mau governante. Um dia, se ele vier a mandar fora de condições de emergência e sem o espartilho da troika, o que é pouco provável, então verificaríamos a sua qualidade como estadista.
Por enquanto, a única característica evidente do primeiro-ministro é ser um homem corajoso, capaz de enveredar por um caminho que, indispensável e enormemente impopular, o leva a arriscar a sua carreira futura e o sucesso eleitoral do seu partido. Se pudesse, certamente o evitaria. É evidente que só faz isto por estar convencido de que é a única alternativa para o País. Mesmo assim, é preciso muita coragem para avançar por aqui.
A coragem é uma virtude paradoxal. Custa mais enfrentar um consenso social do que um exército. Muitos comentadores sentem- -se heróis ao atacarem comodamente o poder, mas é tomar medidas impopulares que requer verdadeira bravura.
Na história recente de Portugal, apenas dois outros governantes se viram em situações parecidas e tiveram atitude semelhante: António Salazar em 1928 e Mário Soares em 1983. Estes são dois dos mais insultados e bem-sucedidos políticos da história de Portugal. O que mostra que o País é muito mais sensato do que os comentadores.

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