Somos pobres entre pobres

José Luís Nunes Martins, i-online em 26 Jan 2013
"Embora alguns, trocando o real pelo aparente, julguem que têm mais valor do que aqueles que lhes pedem esmola"
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Grande é a riqueza daquele que abdicou do desnecessário. A verdadeira pobreza talvez seja a dependência que tanta gente tem em relação às suas coisas, aos seus bens, impedindo-se assim de ser livres, prendendo-se por sua vontade ao fútil e temendo, a cada dia, perdê-lo... como se a essência da vida fosse o aparente.
Os pobres são pessoas pacientes. A sua capacidade de acreditar num futuro melhor é a força que lhes ilumina a espera, tornando-os dignos de toda a admiração – mesmo por todos aqueles que querem tudo e... já.
Quando se experimenta uma vida mais austera é com alguma surpresa que se começam a descobrir belezas e prazeres mais puros, mais simples, capazes até de nos fazerem sentir bem melhores do que quando experimentávamos o requinte das ostentações.
É certo que hoje há cada vez mais gente que não tem dinheiro para garantir o essencial, com fome e frio, sem medicamentos, pessoas sempre sós... porque as dores mais profundas não se partilham. Caberá a cada um de nós, a mim que escrevo e ao leitor que lê, ajudar. Nunca conseguiremos ajudar todos os que precisam, mas que isso não nos sirva de desculpa para não ajudarmos ninguém.
É importante ter consciência que um pobre não é, em nada, menos digno que qualquer outro ser humano. Existe, por vezes, uma perversa identificação entre a pobreza e a marginalidade, e entre esta e a maldade. Talvez um certo complexo de culpa pela exclusão dos que nos são iguais.
Perante a pobreza porém, assumimos normalmente o lamento mas não a culpa da situação. Mas, será que somos assim tão inocentes?
Quantas vezes terei eu deixado de fazer o que me cabia quando uma pessoa amiga foi vítima de uma qualquer desgraça, ou infortúnio, e preferi seguir a minha vida como se nada tivesse acontecido, com o secreto argumento que devia concentrar as atenções em mim e nos meus?
Mas quando formos nós a cair em desgraça, e trata-se talvez de uma simples questão de tempo, aqueles que mais provavelmente nos ajudarão são esses mesmos – aqueles que ignorámos – esses de quem nos julgávamos distintos... esses que, com menos que nós, nos estenderão o pouco que têm, porque afinal eles, mais do que qualquer outros, conhecem a natureza da carência. Sabem o valor de uma moeda, de um pedaço de pão, da paz que se sente quando há alguém que nos quer mesmo escutar, do carinho que um sorriso é capaz, do valor da paciência e da partilha que são precisas para enfrentar a dureza da vida...
São pois os pobres que mais ajudam os pobres, com a simplicidade de nada esperar em troca... ao invés de tantos outros que cobram agradecimentos pela mais ínfima simpatia.
Da privação não resulta necessariamente o pessimismo, antes uma sensata consciência de que há que esperar por melhor condição; que tudo é realmente transitório; e que a cada dia cabe a sua própria preocupação... Afinal, ninguém tem o futuro assegurado.
É preciso escolher bem a fim de sermos livres, dizer não a tudo o que nos prende.
Neste sentido, somos todos pobres. Embora alguns, trocando o real pelo aparente, julguem que têm mais valor do que aqueles que lhes pedem esmola.
A pior das misérias é a falta de humildade.
Aqueles que carregam as insignificâncias a que chamam riqueza ficam sempre demasiado pesados para voar.
Aceitar serenamente a pobreza essencial da nossa existência eleva-nos – e leva-nos a Deus.

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