Crime e castigo

Inês Teotónio Pereira, i-online 19 Jan 2013
Comecemos pela ameaça: não é pedagógico em circunstância alguma ameaçar uma criança
Existe um modelo de justiça que se ajusta na perfeição à forma como se devem educar as crianças. Esse modelo é o modelo penal. Se nós, pais, seguirmos e nos inspirarmos no sistema penal português conseguiremos educar os nossos filhos com grandes resultados. E porquê a moldura penal? Ora a moldura penal parte dos princípios pedagógicos certos: não se ameaça, castiga-se; depois de se castigar perdoa-se; existem atenuantes para os crimes; tem-se em conta a reincidência; há vários tipos de penalizações; garante-se a reinserção social.
Pois bem, é exactamente destes pressupostos que se deve partir quando estamos a lidar com crianças. Mudamos alguns termos mais pesados – como penitenciária, julgamento ou crime – e a teoria, os princípios que nos norteiam, são os mesmos. Senão vejamos.
Comecemos pela ameaça: não é pedagógico em circunstância alguma ameaçar uma criança. Mas além de não ser pedagógico, principalmente não é uma medida eficaz. Da mesma forma que a polícia não anda por aí a ameaçar as pessoas de forma preventiva, porque não seria isso que evitaria que se assaltassem ourivesarias, ou que o gangue do multibanco assaltasse multibancos, também nós não evitamos as asneiras e as borradas dos nossos filhos ameaçando-os com castigos caso eles batam uns nos outros ou partam um vaso. "Se bateres no teu irmão vais de castigo" – se esta ameaça resultasse não já existiam irmãos mais novos com cabeças partidas há milhares de anos. Mas a verdade é que todos os dias há mais um. Ameaçar não resulta, só torna as crianças mais espertas porque a asneira é inevitável. Nós temos sempre do nosso lado o efeito surpresa porque eles não sabem o que nós sabemos ou quais as nossas expectativas. Ameaçando revelamos tudo. É como dizer a um ladrão: "Olha, eu sei que amanhã de madrugada vais assaltar o supermercado x, por isso, se o assaltares, vais preso." O que é o ladrão faz perante isto? Vai roubar o supermercado y e com um plano mais bem elaborado. Logo, tal como no nosso sistema penal, a ameaça não é dissuasora da prevaricação. Uma criança prevaricadora que queira prevaricar prevarica mesmo que seja ameaçada.
Então como é que se evita a prevaricação? Com penas – ou, em linguagem infantil, com castigos. Não há melhor dissuasão da prevaricação que a memória do castigo, ou da pena. E que penas? Como estamos na era dos direitos do homem, castigar com palmadas não é bem aceite e a doutrina aqui diverge por causa dos exageros, ou seja, dos abusos de poder. Mas restam inúmeros castigos: prisão domiciliária (mandá-los para o quarto); retirar direitos (não jantar, não televisão, não videojogos); pulseira (só poderem brincar num espaço delimitado); de origem pecuniária (cancelar a semanada ou afins) – existem muitos exemplos no Código Penal.
No entanto, há que ter em conta outros factores no que concerne à medida da pena. Para avaliar a medida da pena é necessário averiguar se o crime ou a asneira foram praticados com dolo ou negligência. Para tal é fundamental apurar antecedentes (quantas asneiras em média faz por dia), as atenuantes (se ele vê mal e por isso passa o dia a chocar com coisas que se partem), a sua idoneidade (o que é que os outros têm a dizer sobre o prevaricador) e se o prevaricador é reincidente (quantas vezes por dia é que ele já bateu no irmão mais novo). Só apurando e avaliando todas estes condicionantes poderá ser aplicada uma pena ou castigo com a máxima justiça e por isso eficaz.

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