Os EUA, o Reino Unido e a Europa

João Carlos Espada
Público 14/01/2013

Foi considerada inédita, na semana passada, a tomada de posição norte-americana sobre a conduta que o Reino Unido deveria adoptar relativamente à União Europeia. A notícia produziu ondas de choque na imprensa britânica e europeia.
Embora o assunto possa parecer menor à primeira vista, talvez não fosse pior prestar-lhe alguma atenção. Aproximam-se decisões cruciais quanto ao futuro da União Europeia e talvez elas não se centrem exclusivamente nas condições mais ou menos favoráveis do resgate a Portugal.
Que alguma coisa deve estar em jogo é sugerido pela singularidade da tomada de posição norte-americana. Embora o autor da declaração tenha sido apenas um secretário adjunto do Departamento de Estado para os Assuntos Europeus, a verdade é que não é costume a Administração norte-americana produzir declarações sobre a política particular dos seus aliados europeus.
Mas foi isso que aconteceu com a declaração de Philip Gordon na passada quarta-feira, na embaixada americana em Londres. O assunto constituiu título de primeira página dos jornais ingleses de quinta-feira e originou em seguida notícias e comentários através da Europa. O Financial Times de Londres dedicou ao tema uma coluna editorial inteira, no espaço habitualmente ocupado por três temas. Impacto semelhante ocorreu nos outros títulos maiores da imprensa britânica.
Que disse basicamente Philip Gordon? Afirmou que os EUA têm "uma relação crescente com a UE como instituição, a qual tem uma voz crescente no mundo, e nós queremos ver uma voz britânica forte nessa UE. Esse é o interesse americano. Desejamos uma UE virada para fora com o Reino Unido dentro dela". Acrescentou ainda que as negociações no interior da UE frequentemente tendem a virar a União para dentro e que "os referendos frequentemente viram os países para dentro".
A referência dificilmente poderia ser mais clara à reclamação crescente de um referendo no Reino Unido sobre a sua relação com a União Europeia. E o timing também dificilmente poderia ser mais certeiro. O primeiro-ministro David Cameron vem anunciando desde o final do ano passado um discurso estratégico sobre a posição britânica na União Europeia. Na data em que escrevo, prevê-se que possa ter lugar a 21 ou 22 de Janeiro. O local não está ainda definido, sendo a Holanda a hipótese mais citada.
A posição de David Cameron não é fácil. De um lado, enfrenta uma vaga crescente de eurocepticismo no interior do seu grupo parlamentar e do seu eleitorado, bem como no país em geral. Sondagens recorrentes registam mais de 50% dos britânicos favoráveis à saída da União Europeia. As mesmas sondagens registam maiorias semelhantes a favor da permanência na União Europeia, se esta regressasse basicamente a uma área de comércio livre. Por outro lado, os países da zona euro iniciaram uma rota de crescente integração orçamental, fiscal e política que tornará inevitável a prazo a revisão dos tratados da União Europeia no sentido de maior, e não menor, integração.
David Cameron sabe que essa maior integração não será aceitável pelo eleitorado britânico, que já não quis aderir à moeda única europeia. Simultaneamente, se simplesmente tentar ficar de fora do processo de maior integração - à semelhança do que fez com o euro - arrisca-se a ficar definitivamente marginalizado do processo de decisão da União Europeia.
Um ponto que talvez deva ser acrescentado é que a dificuldade da decisão não pertence apenas ao Reino Unido. Os restantes membros da União enfrentam uma escolha de dificuldade semelhante. Desejam que a União Europeia se transforme num núcleo coeso apenas daqueles países que estão dispostos a aceitar essa coesão? Ou preferem que essa escolha de maior integração continue a ser compatível com a inclusão de países que preferem uma relação mais distendida?
Entre os países que desejam maior integração, a Alemanha tem dado insistentes sinais de que deseja simultaneamente a manutenção do Reino Unido na União Europeia. Sabendo, em contrapartida, que os britânicos não aceitarão maior integração, os líderes alemães enfrentam uma encruzilhada de certa forma simétrica da britânica: como manter os ingleses dentro da UE e simultaneamente reforçar a integração da zona euro?
Neste sentido, talvez o discurso norte-americano tenha mais do que um destinatário. Certamente foi dirigido em primeiro lugar aos britânicos. Mas não deixa de interpelar todos os outros europeus sobre a arquitectura da União Europeia. Talvez este assunto devesse merecer alguma atenção também entre nós.

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