Para onde vão os impostos?
Não é de bom-tom perguntar "o que é feito com os nossos impostos?" A resposta delicada a esta pergunta indiscreta é dizer que servem para financiar a provisão de serviços públicos de saúde e de educação, bem como das funções de soberania e do Estado social. Esta réplica é o equivalente a dizer que "são as cegonhas que os trazem", quando alguém, que já devia ter siso, pergunta de onde vêm os bebés. Espera-se que o importuno perceba que está a ser inconveniente e que, se faz uma pergunta imatura, será tratado como criança. Todos sabemos para onde vão os impostos, sabemos que é uma coisa natural, apenas achamos que é um daqueles assuntos em que não se fala à mesa ou nos jornais. Vamos, portanto, mudar de assunto.
Desde o início da nacionalidade que as populações, para acudir às necessidades locais, que nunca foram preocupação para a Coroa, instituíram no âmbito dos concelhos o tributo da sisa. Quando as necessidades eram maiores, cobrava-se localmente mais sisa. Quando eram menores, menos. Até que um dia, "vendo os reis tais rendas e sisas, havendo vontade de as haver, mostravam ao povo necessidades passadas ou que eram por vir, e pediam-lhes graciosamente por dois ou três anos, e que logo as deixariam; e, outorgadas por esta guisa, [apresentavam] depois outra necessidade para que as haviam mister, e pediam-nas assim por mais tempo. E assim lhe ficou [a el-rei] a posse delas," reporta Fernão Lopes.
Depressa a sisa se tornou permanente, e a principal fonte de receita para o Estado, e um imposto odioso para o povo. Repetidamente requereu este, nas Cortes, a sua extinção. Sempre debalde. A D. Fernando, "o Dissipador", nenhum dinheiro era bastante. D. Duarte tinha dela necessidade. O regente D. Pedro respondeu não ter autoridade para tanto. D. Afonso V alegou que não a podia dispensar. D. João II respondeu varonilmente, como lhe era hábito, que "todo o povo deve e é obrigado por direito, e pode ser constrangido de manter e prover o seu rei de tudo o que lhe for necessário." Dito de outro modo: "Paga as minhas despesas e cala-te!" D. Manuel I, mais redondo que seu primo, deu-se ao trabalho de explicar ao povo os benefícios que advinham para o reino deste tributo, que eram, segundo escreve Damião de Góis, "moradias, casamentos, tenças e assim outras ajudas de vida e encaminhamento a filhos e filhas de fidalgos, cavaleiros, escudeiros, e a todo outro género de nossos naturais." Dito de outro modo: "Dinheiro para o aparelho."
Será indecente perguntar: mudou alguma coisa?
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