Não há caminhos indolores
Alexandre Homem Cristo, i-online em 14 Jan 2013
Ninguém quer mais impostos mas também ninguém está disposto a discutir cortes na despesa pública. Todos querem o que não existe: uma saída indolor
Andou-se durante um ano a exigir ao governo que, em vez de remendos, fizesse reformas estruturais. O governo, finalmente, consentiu. Anunciou que, até final de Fevereiro, definiria um plano de reformas a implementar. Pediu ao FMI o seu contributo, ao qual outros se juntariam. Solicitou que a instituição internacional fizesse a sua análise e, a partir do seu diagnóstico, sugerisse reformas para enfrentar os problemas identificados. Assim aconteceu. O relatório foi elaborado e tornado público. E à boa maneira do debate público português, o que terá levado meses a fazer foi julgado, na praça pública, em alguns segundos.
As reacções encavalitaram-se. Primeiro, as corporações. Os juízes viram dados falsos no relatório. As forças armadas acharam-no desfasado da realidade. A PSP considerou as suas conclusões pouco rigorosas. A Ordem dos Médicos opôs-se às propostas e o Movimento de Utentes, perante as mesmas, indignou--se. A Fenprof, ao seu estilo, apontou à destruição do sistema educativo, enquanto a FNE ameaçou com o bloqueio ao funcionamento das escolas. Para a Frente Comum, as propostas para a função pública estão feridas de ilegalidade. A UGT, mais directa, acusou o FMI de atacar a Constituição. E a CGTP viu no relatório o falhanço das políticas do governo. Depois das corporações, os partidos da oposição. Do PS, António Arnaut qualificou as propostas do FMI de "subversão do regime". Manuel Alegre não quis ficar atrás e inventou uma "declaração de guerra a todos os portugueses". Na extrema-esquerda, o PCP insistiu que o governo só sabe roubar os portugueses. E o BE apelou, como sempre, às ruas e ao levantamento popular contra o governo e o FMI.
O que têm estas reacções em comum, para além da precipitação? Todas vêm de instituições que criticam o aumento de impostos. Todas vêm de instituições que, pretendendo cortes na despesa pública, não os querem no seu quintal. E (quase) todas são declarações mais radicais do que as propostas que constam no próprio documento do FMI. Mais do que caricato, este é o retrato do beco sem saída em que nos encontramos.
Ninguém contesta que o relatório dos técnicos do FMI não é perfeito. Está, até, longe disso. Contém dados desactualizados, alguns erros, conclusões discutíveis e propostas de duvidosa exequibilidade (ou mesmo inaceitáveis). Mas contém igualmente análises pertinentes e propostas válidas para as reformas estruturais que o país precisa. E muitas delas nem sequer são novidade para o debate público. Compete agora ao governo fazer a distinção. Pelos vistos, neste que é um momento determinante, terá infelizmente de o fazer sozinho, pois não há quem esteja disposto a participar no debate.
Assim estamos nós. Ninguém quer mais impostos mas, aparentemente, também ninguém está disposto a discutir cortes na despesa pública. Faz sentido: as melhores reformas são as que não saem do papel. Mas qual a alternativa? Todos querem o que não podem ter. Todos querem percorrer aquele caminho indolor para fora da crise e das dificuldades, de que tantos falam e que só por malvadez o governo não vê. É esse o beco sem saída. Porque esse caminho não existe.
Ninguém quer mais impostos mas também ninguém está disposto a discutir cortes na despesa pública. Todos querem o que não existe: uma saída indolor
Andou-se durante um ano a exigir ao governo que, em vez de remendos, fizesse reformas estruturais. O governo, finalmente, consentiu. Anunciou que, até final de Fevereiro, definiria um plano de reformas a implementar. Pediu ao FMI o seu contributo, ao qual outros se juntariam. Solicitou que a instituição internacional fizesse a sua análise e, a partir do seu diagnóstico, sugerisse reformas para enfrentar os problemas identificados. Assim aconteceu. O relatório foi elaborado e tornado público. E à boa maneira do debate público português, o que terá levado meses a fazer foi julgado, na praça pública, em alguns segundos.
As reacções encavalitaram-se. Primeiro, as corporações. Os juízes viram dados falsos no relatório. As forças armadas acharam-no desfasado da realidade. A PSP considerou as suas conclusões pouco rigorosas. A Ordem dos Médicos opôs-se às propostas e o Movimento de Utentes, perante as mesmas, indignou--se. A Fenprof, ao seu estilo, apontou à destruição do sistema educativo, enquanto a FNE ameaçou com o bloqueio ao funcionamento das escolas. Para a Frente Comum, as propostas para a função pública estão feridas de ilegalidade. A UGT, mais directa, acusou o FMI de atacar a Constituição. E a CGTP viu no relatório o falhanço das políticas do governo. Depois das corporações, os partidos da oposição. Do PS, António Arnaut qualificou as propostas do FMI de "subversão do regime". Manuel Alegre não quis ficar atrás e inventou uma "declaração de guerra a todos os portugueses". Na extrema-esquerda, o PCP insistiu que o governo só sabe roubar os portugueses. E o BE apelou, como sempre, às ruas e ao levantamento popular contra o governo e o FMI.
O que têm estas reacções em comum, para além da precipitação? Todas vêm de instituições que criticam o aumento de impostos. Todas vêm de instituições que, pretendendo cortes na despesa pública, não os querem no seu quintal. E (quase) todas são declarações mais radicais do que as propostas que constam no próprio documento do FMI. Mais do que caricato, este é o retrato do beco sem saída em que nos encontramos.
Ninguém contesta que o relatório dos técnicos do FMI não é perfeito. Está, até, longe disso. Contém dados desactualizados, alguns erros, conclusões discutíveis e propostas de duvidosa exequibilidade (ou mesmo inaceitáveis). Mas contém igualmente análises pertinentes e propostas válidas para as reformas estruturais que o país precisa. E muitas delas nem sequer são novidade para o debate público. Compete agora ao governo fazer a distinção. Pelos vistos, neste que é um momento determinante, terá infelizmente de o fazer sozinho, pois não há quem esteja disposto a participar no debate.
Assim estamos nós. Ninguém quer mais impostos mas, aparentemente, também ninguém está disposto a discutir cortes na despesa pública. Faz sentido: as melhores reformas são as que não saem do papel. Mas qual a alternativa? Todos querem o que não podem ter. Todos querem percorrer aquele caminho indolor para fora da crise e das dificuldades, de que tantos falam e que só por malvadez o governo não vê. É esse o beco sem saída. Porque esse caminho não existe.
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