O Presidente anda à procura de almoços grátis

José Manuel Fernandes
Público, 04/01/2013 - 00:00

A vacuidade e o carácter salomónico da mensagem de Ano Novo nada ajudaram aos debates que temos de travar

Eu também gostava de ter soluções fáceis. Pelo menos tão fáceis como as do Presidente. Isto está mal? Não se incomodem demasiado, pois "temos a solidariedade de vários países da União Europeia, países que reconhecem o nosso esforço e consideram que, para bem de toda a União, Portugal deve e merece ser ajudado". Como, quando, de que formas para além das que já estão em vigor, nada disse nem explicou. De resto, "se todos fizerem bem o que lhes compete, é possível que o crescimento seja uma realidade no ano que agora começa". Como, quando e a fazer o quê, também não explicou.
Assim é fácil. Mas também é inútil. É mesmo difícil imaginar inutilidade maior, em política, do que tentar agradar a todos, dando uma no cravo e logo outra na ferradura, como sucedeu na sua mensagem de Ano Novo. Para Cavaco Silva a política orçamental conduz a uma "espiral recessiva" - mas não vetou politicamente o Orçamento. Ao mesmo tempo acha que o pior que nos podia acontecer é termos uma crise política - mas enviou o Orçamento para o Tribunal Constitucional, o que pode criar as condições para uma crise de total ingovernabilidade. Sentencia que "tentar negociar o perdão de parte da dívida do Estado não é uma solução que garanta um futuro melhor" - mas logo a seguir acrescenta que temos de pedir mais apoios aos parceiros europeus.
Na verdade o que o Presidente nos veio dizer é que também ele não sabe o que fazer ou mesmo o que aconselhar. Defende, por exemplo, que temos de consolidar as contas públicas e reduzir a dívida externa, mas depois não quer austeridade orçamental. Ou seja, quer comer o bolo e ao mesmo tempo ficar com o bolo intacto. Entende, como o PS entende, como qualquer pessoa entende, como até o Governo entende, que o nosso "problema fulcral" é a falta de crescimento da economia. Não tem é nenhuma solução para promover esse crescimento económico, a não ser sugerir mais apoios europeus "ao investimento e à competitividade".
Lamento, mas julgo que não é bem para isto que queremos um Presidente da República.
Os tempos difíceis são tempos bons para as discussões difíceis. E uma das discussões difíceis que devíamos ter é sobre como promover o crescimento económico. De nada nos servem platitudes sobre a necessidade de termos políticas de crescimento e de emprego, temos é de saber que políticas são essas. Até para percebermos que a escolha é entre políticas alternativas, contraditórias e que reflectem diferentes formas de olhar para as relações entre o Estado e a sociedade.
Nas últimas décadas falar de políticas de crescimento e emprego em Portugal foi quase sempre sinónimo de falar de políticas "de fomento" (uma expressão que vem do tempo do salazarismo) e de subsídios. Do Estado esperou-se que investisse em infra-estruturas, que desse "incentivos", que apoiasse os "campeões nacionais" e que criasse apoios sociais capazes de sustentar o consumo interno. Esperou-se também que, através "da Educação", elevasse o povo português da condição de iletrado ao estatuto de "mais qualificado de sempre". Do marcelismo ao socratismo, passando pelo gonçalvismo, pelo cavaquismo e pelo guterrismo, fomos apenas experimentando diferentes formas de tutela paternalista da economia e de activismo ministerial, todas elas acabando comprometidas pelo crescimento constante do défice e da dívida, um crescimento que se tornou mais dramático nos últimos dez, doze anos, os anos do euro e do crédito fácil.
Há uma alternativa a este caminho que já percorremos nos seus diferentes matizes. Essa alternativa é diminuir a dependência que a economia tem do Estado, é cortar os laços entre as empresas e os governos - laços que têm sistematicamente protegido certas famílias e certos interesses - e diminuir os custos que o Estado tem para quem trabalha, quem produz e quem empreende. Em vez de subir impostos para sustentar o consumo (público, privado e "social"), para manter os investimentos do Estado e para continuar a distribuir subsídios, há é que diminuir os impostos, poupar nas funções do Estado e acabar com a obsessão regulamentadora.
Ao contrário da gritaria contra o "neoliberalismo" que para aí vai, não é isso que este Governo tem vindo a fazer. Mas foi isso que se fez noutros países. Na Irlanda, quando chegou a crise, foi logo decidido um corte de 15 por cento nos ordenados dos funcionários públicos, e por cá ainda estamos à espera de saber se um corte de metade desse montante é ou não constitucional. Depois, ao contrário do que queria a Alemanha e do que exigia a esquerda furiosa, o IRC irlandês continuou a ser o mais baixo da Europa. O caminho seguido pela Letónia, que nem está no euro, foi ainda mais duro no que respeita aos cortes e mais intransigente na competitividade fiscal. Estes dois países tiveram recessões mais fortes do que a nossa, mas já regressaram ao crescimento. Fizeram opções, correram riscos, sofreram mais no curto prazo, agora esperam beneficiar no longo prazo. Mostram um outro caminho possível.
Claro que Portugal pode optar por insistir, como fez o anterior Governo até ao limite do paroxismo, no investimento público, no crescimento da despesa social e no dirigismo económico. É uma opção, legítima. Mas tem um custo: os portugueses terão de pagar mais impostos e mais taxas. Mais uma vez, não é impossível nem sequer impensável, é apenas uma escolha. Basta pensar no seguinte: em 2013, mesmo com a "extorsão fiscal" a que seremos submetidos, o total da despesa pública ficará por 45,6% do PIB, enquanto será de 50,7% na Suécia (já foi de 70%), 53,8% na Finlândia e de 55,8% em França. Ou seja, é possível pagar mais impostos do que nós pagamos para ter mais Estado - "Estado social" ou Estado tout-court -, o que não é possível é querer ter muito Estado e poucos impostos. É outro modelo, e era bom que os defensores das chamadas "políticas activas de crescimento e de emprego" acrescentassem que, com elas, vêm também os encargos fiscais.
Mais: sugerir, como fez o Presidente, que estimulando o consumo interno se reverte a tal "espiral recessiva" é esquecer que mais consumo interno, num país como Portugal, significa de imediato mais défice externo, logo mais dívida externa. Achar que para conter a dívida pública se pode fazer crescer a dívida privada é, apenas, transferir o ponto de aplicação de mesma "espiral recessiva", mas com menos custos para a popularidade dos políticos.
Oscilando entre a "vacuidade" denunciada por Fátima Bonifácio e um carácter "salomónico" destinado a salvar a própria pele, como notou Pedro Lomba, a mensagem presidencial colocou-se à margem do debate que se devia fazer em Portugal e reforçou a ilusão, confortável, que há-de vir uma qualquer solução da Europa. Esta é uma ilusão que não custa alimentar, pois ninguém será responsabilizado por ela - os portugueses ainda não votam em Merkel, em Hollande ou em Monti - e permite empurrar os problemas para a frente.
Mais tarde ou mais cedo Portugal, para além de saber que relação quer entre o Estado, a economia e a sociedade, terá também de debater se consegue ter crescimento económico no quadro de uma moeda única de matriz alemã. Ainda esta semana o comentador de economia do Daily Telegraph, Ambrose Evans-Pritchard, notava que algumas das mais importantes moedas do mundo - o dólar, o iene, a libra, a coroa sueca, o franco suíço - estão a desvalorizar, enquanto o euro se valoriza. E valoriza por ortodoxia e por causa do peso da economia alemã. É assim e será assim enquanto o euro mantiver a sua matriz genética, que é a do marco. Resta saber se algum dia, neste ambiente monetário, a nossa economia conseguirá crescer o suficiente para, ao menos, pagar o serviço da dívida. Mas este é outro debate que Cavaco, um dos pais do euro, nunca patrocinará.
A falta de confiança dos portugueses de que o Presidente se queixa é também uma consequência desta anomia intelectual e política. Os cidadãos sentem-se prisioneiros num sistema que não lhes deixa alternativas, pois nem Cavaco as tem. Era bom romper esse colete-de-forças, mas com frontalidade e transparência, discutindo as opções, as suas vantagens e os seus custos. Porque todas têm custos e não são pequenos. Não há almoços grátis - nem a União Europeia vai algum dia pagá-los.

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