S. José ou a irresponsabilidade

Luis Carvalho Rodrigues
Observador, 20151227

Se o hospital não dispunha de recursos, se o doente não podia ser deslocado, talvez a equipa de outro hospital pudesse deslocar-se. Podia nada disso resultar mas, pelo menos, tinha-se tentado.

Não sei mais sobre o caso das mortes em S. José do que aquilo que tem saído nos jornais. Mas, por incompleta que ainda seja a informação, há pontos que parecem já certos e que chegam para colocar algumas questões incómodas. Primo, esta terá sido a quinta morte nas mesmas circunstâncias desde 2014. Secundo, desde 2013 que o Ministério sabia o que se passava e, por maioria de razão, a ARS, o Conselho de Administração do centro hospitalar e, sobretudo, os directores dos serviços de Neurocirurgia e da Urgência.
Sobre a ARS e os administradores hospitalares que agora se demitiram não quero alongar-me. A sua demissão, agora que a situação caiu na praça pública e não quando verificaram ser incapazes de a resolver, é uma demissão sem honra e sem dignidade. A referência do presidente demissionário da ARS aos “cortes orçamentais” é uma desculpa miserável. Se os cortes foram decisivos, e parece que sim, é pelo menos legítimo questionar se um pedido de demissão atempado não teria contribuído para resolver a situação mais cedo. Outros responsáveis fizeram-no. Com resultados. Quanto ao ministro Paulo Macedo, também não fica bem no retrato. Mas seria interessante saber que informações lhe foram dadas, e por quem, para que, na sequência de interpelações parlamentares em 2013 e 2015, os serviços do ministério tenham respondido que “não havia queixas”.
Mas o que eu gostaria verdadeiramente de saber é com que fundamentos é que os directores de Neurocirurgia e da Urgência do centro hospitalar se mantiveram nos seus cargos, sabendo que os seus serviços eram incapazes de responder a situações destas. Porque não posso e não quero acreditar que não soubessem. E quem diz os directores dos serviços diz as chefias das equipas de urgência. É um ponto que não tenho visto tratado nas notícias e opiniões publicadas nos últimos dias.
Se o hospital não dispunha de recursos devia ter tentado mobilizá-los. Se o doente não podia ser deslocado, talvez a equipa de prevenção a outro hospital, público ou privado, o pudesse fazer, fosse ela de Lisboa ou do Porto: é para isso que existem helicópteros (do INEM, da Força Aérea). Se isso não fosse possível, havia que tentar contactar colegas. Quem trabalha nos hospitais sabe como isso se faz e sabe que funciona. Eu mesmo guardo a história de uma cirurgia assim que só foi feita porque quem a podia fazer foi contactado, in extremis, no aeroporto de Lisboa quando se preparava para embarcar. E desistiu do voo e voltou ao hospital para operar. Sim, podia acontecer que nada disto resultasse. Mas era legítimo esperar que tivesse sido, pelo menos, tentado. Em vez disso, esperou-se por segunda-feira.
O ministro, o presidente da ARS e as administrações hospitalares não podem furtar-se a responsabilidades. Mas acho estranho que os responsáveis pelos serviços e pelas equipas presentes naquele fim de semana se mantenham agora calados e invisíveis. Claro que haverá inquérito, apuramento de factos e contraditório. Todos terão argumentos e justificações. E é assim que deve ser. Mas é difícil fugir a uma ideia essencial: quem se refugia atrás de “ordens superiores” em casos como este não merece ocupar o lugar que ocupa.
Médico patologista

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