A geração mais bem preparada de sempre
Nuno Gonçalo Poças, Estado Sentido, 30.12.15
Há umas semanas, num restaurante de Lisboa, tive o prazer de ter uma família numa mesa ao lado que não me tem saído da memória. Um casal, um filho e a sogra. A criança, de 5 ou 6 anos, passou o jantar colado a um iPad, a jogar uma porcaria qualquer. Não pousou por uma vez o aparelho, nem enquanto comia. Os pais e a avó não lhe dirigiram a palavra uma única vez. Reinou a harmonia familiar. Não é um caso isolado. Cenários deste género fazem parte do nosso quotidiano. E crianças como aquela são hoje a nossa realidade. Um iPad nas mãos e não me aborreças.
Este é um facto. Há uma geração de pais que está a criar monstrinhos alienados. É a geração que é incapaz de lidar com o sacrifício, com o sentido de dever, com a responsabilidade familiar, porque é fruto de uma época de paz e de prosperidade, porque é fruto da lógica de filho único e de infantocentrismo, porque foi moldada para o sucesso profissional e não para o compromisso familiar. Os novos pais não toleram crianças. Muito menos toleram crianças que se mexam. Ora, novidade das novidades, as crianças mexem-se. E falam. Muito. E gritam. E choram. E fazem birras. É assim desde que existe humanidade. O problema é que antes destes novos tempos, sempre que uma criança ultrapassava os limites da boa educação, do respeito e do sossego de terceiros, levava uma palmada. Bastava um olhar. Hoje damos-lhes iPads.
Quando uma criança deve ouvir um "não", hoje recebe um "sim" e qualquer coisa que a entretenha. Porque tudo é mais importante que educá-la para que possamos ter um ser humano decente em casa. Não há regras, porque as regras dão trabalho a implementar. Exigem paciência e nós não temos paciência. Podemos ter paciência para tudo. Para jantar fora, para trabalhar até à meia-noite, para ir de férias com os amigos, para jantaradas e noites durante a semana, para desportos radicais, para ir a todos os sítios fashion, gourmet e fancy da cidade, para estar no Facebook, no Twitter, no Instagram, no Whatsapp. Mas não temos paciência para chegar a casa e perder uma hora do nosso tempo a brincar com uma criança. Não temos paciência para ouvir os miúdos porque os miúdos, claro está, só dizem asneiras, não são racionais e não medem as palavras. E esperamos que eles cresçam sozinhos. Ou com uma caixa de jogos didáticos, para "aprenderem enquanto brincam", ou com filmes que os fazem "assimilar conceitos". Não os levamos para a rua porque a rua é um perigo. Há um mar de pedófilos nos parques. E os parques têm folhas e pólen. E o pólen faz mal às alergias e ao sistema respiratório. Não lhes dizemos "não". As crianças devem exercer a sua autonomia, a sua liberdade, como se um selvagem alguma vez fosse bom. Também não lhes podemos bater. As crianças têm direito à privação da palmada, porque nós vivemos num mundo pacífico, onde as pessoas se amam e se respeitam e a palmada incentiva o ódio e a invasão de países árabes, como se sabe.
Nós, a geração "mais bem preparada de sempre", temos a maior taxa de alfabetização de sempre. Nunca o mundo teve tantos diplomados como agora. Somos esplêndidos. Ensinaram-nos desde pequeninos que somos esplêndidos. Disseram-nos que tínhamos direito a ter tudo e queremos ter tudo. E disseram-nos que os sacrifícios não eram necessários. Estava ali tudo. E quando faltasse alguma coisa, ainda lá estavam os pais, para libertar algum dinheirito, para comprar um carro novo, para mobilar a casa, para uma beijoca, para mais um computador portátil. E agora temos filhos. Filhos, imagine-se! Uma geração de filhos que está a chegar, que ainda está nas barrigas ou que entrou agora para a escola. Uma geração de filhos que se enfrasca em anti-depressivos e em tecnologia para explicar à geração dos próprios pais esta coisa tão simples: a "geração mais bem preparada de sempre" é a geração mais incapaz de constituir família e de educar uma criança dos últimos séculos.
Comentários