Cenas de Natal
Inês Teotónio Pereira, ionline 20151229
Já não deve faltar muito até chegarmos todos à conclusão que afinal quem nasceu no dia 25 de Dezembro foi o Pai Natal.
Fui com os meus filhos a uma das dezenas aldeias de Natal que hoje em dia fazem concorrência às rotundas que as câmaras tanto gostam de inaugurar ou às feiras medievais importadas de Espanha que durante o Verão fazem de nós todos parvos.
As aldeias de Natal são o novo fenómeno municipal e como eu não perco fenómenos, peguei na criançada e fui ver. Eu e mais milhares de famílias. Foi giro: vimos duendes, renas, fadas, mais uns duendes e uma fadas, uns palhaços e umas casinhas com neve a fingir no telhado, mais uns duendes e umas fadas, também vimos umas árvores de Natal, bonecos de neve, presentes embrulhados e mais renas. A coisa correu bem: não houve birras nem lutas. No fim ainda consegui negociar com os meus filhos e eles condescenderem não irmos para a fila tirar uma fotografia com o Pai Natal em troca de um bolo que comprei para cada um. Tivemos ainda a sorte de comer o bolo ao lado do Pai Natal que fugiu do seu cadeirão e das criancinha para ir beber uma imperial e fumar um merecido cigarro. Por sorte calhou irmos todos ao mesmo café e os meus filhos ficaram embasbacados ao verem a facilidade com que ele desprendeu a barba para beber a cerveja num só trago. São estas as memórias que ficam.
No caminho de volta, vimos as mesmas coisas mas só então reparei que até havia guloseimas a ornamentar os pitorescos canteiros do jardim. Até que eu, uma beata, fanática, conservadora ou mesmo neoliberal, resolvi perguntar a um dos organizadores: “Olhe, desculpe, o presépio está onde?”. O rapaz olhou para mim como se eu lhe tivesse perguntado quem ganhou as eleições e atrapalhado respondeu: “Não há... São só coisas de Natal “. Os meus filhos, que já estão na idade de terem vergonha dos pais, coraram, o rapaz também e eu constatei que os portugueses são de costumes tão brandos mas tão brandos que se ficaram pela brandura da bonecada e deixaram o Natal para os fundamentalistas religiosos.
Como estava com os meus filhos tive de fazer o papel de mãe e não pude deixar de exclamar indignada: “Incrível: isto é o mesmo que fazer uma festa de anos e não convidar o aniversariante!”. Eles ficaram a olhar apara mim. Continuei a insultar tudo e todos até que um deles disse: “Mas mãe, isto hoje em dia é mesmo assim: um amigo meu nem sequer sabe o que se festeja na Páscoa”. Chateou-me o “hoje em dia”, onde se podia ler “estás out, cota”. Mas calei-me: contra factos não há argumentos e tendo em conta que a autarquia organizadora da aldeia representa os munícipes e para os munícipes o Natal é bonecada, está tudo bem. Ali quem estava desajustada era eu, concluí.
A verdade é que o Natal está fora de moda. Já não é moda ir à missa do Galo ou falar do nascimento de Jesus. Um presépio no meio dos duendes fica objectivamente mal. A árvore de Natal substituiu o presépio e o Pai Natal o Menino Jesus. Já é com alguma dificuldade que apanhamos filme épicos na televisão tipo Quo Vadis ou as Sandálias do Pescador e estamos apenas presos ao significado natalício televisivo pelos fios frágeis da Música no Coração ou do Sozinho em Casa. Hoje em dia Natal é neve, gelo e duendes. Já nem sequer é azeite Galo: é sushi. Sushi em família, vá.
Há países onde é proibido festejar o Natal ou ir à missa e onde se é morto por se ser em cristão; há outros onde é proibido enfeitar montras, montar iluminações ou decorar as ruas com qualquer coisa alusiva ao Natal para não “ofender” outras religiões. Desconfio que por cá não vai ser preciso proibir nada, nós damos conta do recado sozinhos. Já não deve faltar muito até chegarmos todos à conclusão que afinal quem nasceu dia 25 de Dezembro foi o Pai Natal. O resto são lendas.
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