Governos paralelos
António Barreto
DN 20151212
Governar com a troika é complicado. Sem troika, mas com as três instituições no controlo, é complexo. Com respeito pelas regras da União Europeia e do euro também tem que se lhe diga. Em regime semipresidencial é ainda pior. Governar em minoria não é fácil. Com apoio de dois partidos no Parlamento, mas fora do governo, é muito difícil. Obter esse apoio de duas maneiras diferentes, uma com rol de compras e outra com listas de intenções, é penoso. Para tudo, vai ser necessário percorrer o caminho das pedras e atravessar o labirinto das negociações.
Os governos paralelos, que, por definição, só se encontram no infinito, são receitas para o desastre. A duplicidade de poderes, a dualidade de autoridades e a competição entre legitimidades destroem qualquer princípio de governo eficiente. Mesmo a democracia, por falta de reconhecimento da autoridade, sofre com a dualidade. Um orçamento, uma ponte ou um imposto feitos com a anuência de várias autoridades, grupos de trabalho, comissões mistas, comissões parlamentares e grupos de acompanhamento, sem falar nas reuniões com credores e com a União Europeia, transformam-se rapidamente em trabalhos espinhosos, piores do que os estábulos de Áugias.
Disseram os jornais que ficou estabelecido realizar-se uma reunião semanal entre os grupos parlamentares socialista e comunista, parece que às terças-feiras. Os jornais anunciaram que o mesmo procedimento, em separado mas no mesmo dia, tinha sido combinado entre o PS e o Bloco de Esquerda. Esses encontros bilaterais regulares destinam-se a trocar informações, articular estratégias, combinar votações, preparar projectos, acompanhar a acção do governo e antecipar negociações com a União Europeia.
Sabemos que o PS e o Bloco de Esquerda decidiram também examinar em comum tudo o que envolve a elaboração do Orçamento, assim como medidas fora do Orçamento; além de coordenar, em reuniões bilaterais, as matérias que digam respeito às iniciativas parlamentares. Mais decidiram criar cinco grupos de trabalho compostos por representantes dos dois partidos e pelo membro do governo com tutela em áreas definidas (precariedade do trabalho, habitação, energia, dívida externa, segurança social e pobreza).
Com o PCP, ficou decidido proceder ao exame comum de medidas orçamentais, mas também de acções fora dos orçamentos, assim como promover reuniões bilaterais sobre aspectos fundamentais da governação e da acção do Parlamento.
Se a tudo isto acrescentarmos os níveis e patamares habituais da Administração, o Conselho Económico e Social e as comissões parlamentares, temos um quadro aproximado do que será governar Portugal nos próximos tempos, em que tudo tem de ser negociado várias vezes, confirmado depois, revisto e avaliado a seguir, logo rectificado, até se encontrar um equilíbrio feito de cedências e chantagens, ameaças e entendimentos, tudo isto antes de as coisas (leis, projectos, medidas, decisões e resoluções) chegarem aos locais apropriados, ao Conselho de Ministros, à Assembleia da República e ao Presidente da República. Vai ser preciso ter um mapa. E sobretudo uma brigada de minas e armadilhas.
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