Legislar a felicidade

Carla Hilário Quevedo, online 20151207
Para o Bloco de Esquerda, a vida é simples e linear. A incompetência tem uma explicação psicológica e se não fossem os traumas escolares o país seria extraordinário.
Uma das primeiras medidas do governo socialista, apoiado por PC e Bloco, foi acabar com os exames do ensino básico. Parece que se ouviu um suspiro colectivo de alívio de pais e crianças. Não sabemos, aliás, como sobreviveu a geração dos nossos pais ou dos nossos irmãos mais velhos, vítimas de um sistema opressivo, que tiveram de passar por uma prova escolar tão cedo na vida. Mas agora, felizmente, aquele eco de um passado tão sombrio desapareceu e, por isso, as nossas crianças vão voltar a sorrir, certas de que o futuro lhes reserva tudo aquilo que merecem, que é, naturalmente, o melhor.
Não satisfeita com o fim de uma prova que considerava traumatizante, Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, resolveu pôr por escrito as suas ideias sobre a educação dos mais pequenos. O título da redacção é: “6 razões para acabar de vez com os exames do básico”. Começo por dizer que não fiz o exame do ensino básico. Não existia no meu tempo, mas no colégio cantava o hino português e o “God Save The Queen” duas vezes por dia. Imagino que seja um choque para qualquer adepto do método Montessori, que respeito, atenção, mas para mim o pior era a farda horrível que tinha de usar todos os dias. Aquela farda cor de vinho até hoje aparece nos meus piores pesadelos!
“Chumbar é ser facilitista” é outra das razões que Catarina Martins apresenta para justificar a bondade do fim dos exames no ensino básico. Pensava que era ao contrário. Mas é certo que chumbar na quarta classe é chato e foi pena Catarina Martins não sustentar o seu argumento só neste ponto. Poupava-se o drama, mas por outro lado também ficávamos sem saber que mundo o Bloco de Esquerda acha que é o correcto para vivermos.
É na última razão que encontramos resumida a ideia bloquista sobre a vida: “Perguntaram-me se eu quereria ser operada por um cirurgião que, em vez de testado na escola, tenha sido feliz na escola. Não tenho nenhuma dúvida: quero que tenha sido feliz, porque se aprende melhor quando se é feliz a aprender. E quero que não se esqueça do que aprendeu no ensino básico, por muito bom que tenha sido, e espero que o seja, na sua especialização. Espero que no ensino básico não se tenha limitado a treinar para fazer exames; que tenha aprendido as bases de que se faz o conhecimento todo e saiba usá-lo nas situações mais inesperadas e que nenhum exame pode prever.” Catarina Martins acha impensável um mundo em que uma criança não seja infeliz a fazer um exame. Também tem expectativas curiosas em relação a pessoas com bisturis: não está tão interessada na sua eficácia como no seu sorriso. Se forem felizes, diz, certamente serão bons profissionais. Para o Bloco de Esquerda, a vida é simples, linear e limpa. A incompetência tem uma explicação psicológica e, se não fossem os traumas escolares, o país seria extraordinário.
Tem graça que os alunos mais felizes na faculdade são os que praticam as praxes. Aquilo é uma alegria, só a dar ordens e a mandar comer relva no Campo Grande. Vê-se que sorriem com gosto. Serão futuros cirurgiões? Não passaram pelos exames do básico. Tenho expectativas menos nobres. Só quero que não me deixem o bisturi dentro da barriga quando me operarem ao apêndice.

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