O tempo da Liberdade

Revista Passos 11-07-2014
don Luigi Giussani
Notas de um diálogo durante um aperitivo com don Luigi Giussani, antes de partir para férias. Milão, 5 de Junho de 1964

Desde os primeiríssimos dias da Gioventù Studentesca que tivemos um conceito claro e simples: o tempo livre é o tempo em que a pessoa não é obrigada a fazer nada, não há nada que sejamos obrigados a fazer; tempo livre é tempo livre.
Como discutíamos frequentemente com os pais e com os professores sobre o facto de que a GS ocupava de mais o tempo livre dos jovens, enquanto deveriam estudar ou ajudar na cozinha, em casa, eu dizia: «Vão ter muito tempo livre os jovens!». «Mas um jovem, uma pessoa adulta», retorquiam, «é julgado pelo trabalho, pela seriedade do trabalho, pela tenacidade e pela fidelidade ao trabalho». «Não», respondia eu, «qual quê! Um jovem é julgado pela forma como usa o tempo livre». Oh, escandalizavam-se todos. Contudo... se é tempo livre, significa que a pessoa é livre de fazer o que quiser. Portanto, percebe-se aquilo que se quer pela forma como se emprega o tempo livre.
Eu percebo o que uma pessoa – jovem ou adulta – quer verdadeiramente não pelo trabalho, pelo estudo, que é aquilo que tem a obrigação de fazer, pelas conveniências ou pelas necessidades sociais, mas pela forma como usa o seu tempo livre. Se um jovem ou uma pessoa madura desperdiça o tempo livre, não ama a vida: é tolo. As férias são, de facto, o clássico tempo em que quase todos se tornam tolos. Pelo contrário, as férias são o tempo mais nobre do ano, porque é o momento em que uma pessoa se compromete como quer com o valor que reconhece como predominante na sua vida, ou então não se compromete de maneira nenhuma com nada e então, realmente, é tola.
A resposta que dávamos aos pais e professores há mais de quarenta anos tem uma profundidade a que eles nunca tinham chegado: o valor maior do homem, a virtude, a coragem, a energia do homem, aquilo por que vale a pena viver, está na gratuidade, na capacidade de gratuidade. E a gratuidade está precisamente no tempo livre que emerge e se afirma de uma forma admirável.
O modo de rezar, a fidelidade à oração, a verdade dos relacionamentos, a entrega de si, o gosto pelas coisas, a modéstia ao usar a realidade, a comoção e a compaixão em relação às coisas, tudo isto vê-se muito melhor estando de férias do que durante o ano. Nas férias a pessoa é livre e, sendo livre, faz o que quer.
Isto quer dizer que as férias são uma coisa importante. Em primeiro lugar isso implica atenção na escolha da companhia e do local, mas sobretudo tem a ver com o modo como se vive: se as férias nunca te recordam aquilo que mais gostavas de lembrar, se não te fazem ser melhor em relação aos outros, mas te tornam mais instintivo, se não te fazem aprender a contemplar a natureza com uma intenção profunda, se não te fazem oferecer um sacrifício com alegria, o tempo do descanso não cumpre o seu objectivo.
As férias devem ser o mais livres possível. O critério das férias é respirar, de preferência a plenos pulmões.
Deste ponto de vista, estabelecer como princípio a priori que um grupo tenha de fazer férias juntos é, antes de mais, contrário ao que foi dito, porque os mais frágeis da companhia, por exemplo, podem não atrever-se a dizer não. Em segundo lugar é contrário ao princípio missionário: ir de férias juntos deve responder a este critério. Seja como for, em primeiro lugar liberdade acima de tudo. Liberdade de fazer o que se quer... segundo o ideal!
O que é que se ganha vivendo assim? A gratuidade, a pureza da relação humana.
Em tudo isto a última coisa de que podemos ser acusados é de estarmos a convidar para uma vida triste ou de obrigar a uma vida de pesar: seria sinal de que é precisamente quem faz objecções que está triste, pesaroso e macilento. Sendo que macilento designa quem não come nem bebe e, por isso, quem não aprecia a vida. E dizer que Jesus identificou o instrumento, o nexo entre o homem que caminha sobre a terra e o Deus vivo, o Infinito, o Mistério infinito, com o comer e o beber: a Eucaristia é comer e beber – ainda que agora esteja muitas vezes reduzida a um esquematismo do qual já não se compreende o significado. É um comer e um beber: ágape é comer e beber. A expressão maior da relação entre mim e esta presença que é Deus feito homem em ti, oh Cristo, é comer e beber contigo. Onde tu te identificas com aquilo que comes e bebes, de tal maneira que, «vivendo na carne, vivo na fé do Filho de Deus» ("fé" quer dizer reconhecer uma Presença).

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António