(Mais) livros para férias
Vejo com preocupação a queda de mais um grupo económico não estatal, ainda por cima com uma antiga tradição familiar.
Enquanto o país assiste ao desmoronamento de uma das mais antigas famílias da banca privada nacional, parece estar aberto o concurso sobre o mais ácido comentário sobre o tema. Lamento não participar na corrida. Vejo com preocupação a queda de mais um grupo económico não estatal, ainda por cima com uma antiga tradição familiar.
Numa economia livre — ao contrário das economias estatizadas, em que os contribuintes vão pagando os prejuízos das empresas públicas — estas coisas acontecem. Mas não estou seguro de que devam ser motivo de regozijo nacional.
Há sem dúvida vozes credíveis e imparciais que atribuem ao caso do BES a expressão do clientelismo de algum capitalismo nacional. Não tenho dados suficientes para avaliar essa asserção. Mesmo que a alegação seja pertinente, e não nego que possa ser, não me parece muito interessante embarcar num ataque às chamadas "redes clientelares das grandes famílias". Essa terminologia faz lembrar o léxico do "Avante" e as suas brilhantes teorias sobre as (já não me lembro quantas) famílias que governavam Portugal. Foi sob a égide dessas teorias que o PREC destruiu o incipiente tecido empresarial português e o colocou (ainda mais) sob a tutela do Estado.
O caso torna-se alarmante quando se começa a misturar o golfe com estes temas. Alguns comentadores sugeriram que a grande vantagem do capitalismo não clientelar é que não joga golfe. A prática do golfe estaria assim associada ao "capitalismo clientelar". Não estou seguro de compreender esta alegação. Em qualquer caso, deve ser observado que as alternativas seriam bem piores: ou se fechavam todos os clubes de golfe, ou passaria a existir um "comissário político" em cada clube — para registar, e talvez autorizar, o convívio entre golfistas. (Esta última ideia, a propósito, foi parcialmente adoptada pelo doutor Salazar que, segundo consta, tinha também uma certa animosidade contra os "ricos").
Por todos estes motivos, gostaria de iniciar este minha nova lista de (mais) livros para férias com um belo livro sobre o Clube de Golf do Estoril: Oito Décadas de História, da autoria de José Barros Rodrigues (Caleidoscópio, 2012). Trata-se de um dos mais antigos clubes de golfe do país, com uma nobre tradição de boas maneiras e autonomia. Entre os antigos membros ou simples frequentadores, encontravam-se os Condes de Barcelona (pais de Juan Carlos, que viria a ser rei de Espanha e passou a infância no Estoril); o Duque de Windsor; o marechal Montgomery de Alamein; David Lloyd George (ex-primeiro-ministro britânico) e tantos outros. Excelentes fotografias da época ajudam a recordar a atmosfera cordata que ainda hoje distingue este velho clube de sócios.
Outra instituição que tem sido atacada pela nova fúria igualitária nacional é a diplomacia portuguesa. O pretexto foi a lamentável integração da Guiné Equatorial na CPLP. Mas é totalmente deslocado atribuir aos nossos diplomatas a concretização de um disparate que eles próprios procuraram evitar. A excelente qualidade da nossa diplomacia fica aliás bem patente na minha segunda recomendação de leituras para férias: O Futuro da União Europeia: Olhares de Embaixadores Portugueses em Capitais Europeias, coordenado por António Costa Lobo, Manuela Franco e Lívia Franco (Universidade Católica Editora, 2014). Trata-se de uma obra fundamental para compreender os diversos olhares em jogo nas grandes encruzilhadas da União Europeia. Com excelentes contribuições dos Embaixadores portugueses em Madrid, Roma, Londres, Berlim, Dublin e Paris, o livro também revela a qualidade invejável dos nossos diplomatas — pelo menos, o que já não é pouco, dos que participaram na iniciativa.
Finalmente, e creio que a propósito, gostaria de recomendar The Intellectual Life of Edmund Burke: From the Sublime and Beautiful to American Independence, de David Bromwich (Harvard University Press, 2014). Como recordou a recensão de The Economist (5 de Julho), Burke foi toda a vida um freedom fighter — desde a defesa dos colonos americanos, até à denúncia do novo despotismo igualitário da revolução francesa. Por essa razão, ele foi sempre favorável às livres instituições intermédias entre o frágil indivíduo isolado e o Estado central. Nessas instituições — as famílias, as empresas, os clubes e fundações, até mesmo o corpo diplomático — ele via reservas de autonomia e pluralismo contra as paixões uniformizadoras. E via também nessas instituições, sobretudo as mais antigas, uma reserva de moderação, boas maneiras e auto-controlo que poderiam contrariar as grosseiras pulsões niveladoras.
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