O "feiticeiro de Oz"

DN 2014.07.14
JOÃO CÉSAR DAS NEVES

Pode surpreender, mas os políticos comunitários são humanos. Habituámo-nos a tratá-los como monstros, mentecaptos ou marionetas e esquecemos que por detrás estão pessoas, preocupadas com o bem dos cidadãos e construindo um projecto único na história, sob enormes dificuldades e pressões. A maior das quais é a certeza generalizada de que os políticos comunitários são monstros, mentecaptos ou marionetas.
Esta humanidade surge num dos melhores e mais surpreendentes livros sobre a recente crise europeia: A Europa na Tempestade. Lições e Desafios, de Herman Van Rompuy (Vogais, 2014). Protagonista de terríveis acontecimentos, como presidente do Conselho Europeu de 2010 a 2014, o primeiro no cargo, assume com uma candura espantosa as dificuldades, erros e enganos, sem ocultar, desculpar ou desviar. Mostra também como as coisas de perto são bem diferente do que se diz.
Admite que todos os países da União foram apanhados de surpresa pelo colapso, sem ninguém saber o que fazer: havia "uma caixa de ferramentas vazia" (pág. 48); "Tivemos de construir um barco salva-vidas em mar alto, no meio da tempestade" (pág. 54). Mas todos se descobriram interdependentes e, por isso, "quase todo o trabalho colectivo feito desde 2010 tem passado por retirarmos ensinamentos dessa interdependência, assim como dos erros e da negligência do passado" (pág. 25).
Em situações assim é fácil criticar. Mas "quem se queixa de que, em todas as ocasiões, a União Europeia fez "demasiado pouco, demasiado tarde" tende a subvalorizar as restrições políticas com que trabalhamos na Europa (...) num clube que hoje inclui vinte e oito países, dezoito dos quais partilham uma moeda única, é difícil darem-se passos destemidos" (págs. 54 e 55).
Não esconde as limitações do processo político: "É um paradoxo lamentável: os governos só conseguem agir com ousadia nos maus momentos!" (pág. 51) e em geral "precisam de pressão externa para poder agir" (pág. 98). Não é normal encontrar um político que conceda publicamente que "O Conselho Europeu é um lugar muito estranho" (pág. 184), que o G20 é "formal de mais, a meu ver" (pág. 173) ou, numa negociação do G8, "confesso que tive dificuldade em acreditar no que estava a ouvir" (pág. 158). Isto mostra-o como um homem genuíno, empenhado em resolver problemas, apagando-se para que as coisas aconteçam.
O mais notável é o equilíbrio e a abertura com que os acontecimentos são relatados e analisados. Os críticos mais violentos podem surpreender-se por ouvir que: "Quando se escreverem as histórias da crise da dívida, terão de ser referidas todas as suas facetas: não só o esbanjamento dos devedores (que tiveram demasiada atenção na praça pública) como também a imprudência dos credores (cujo papel tem sido algo subvalorizado)" (pág. 49). Tem graça que por cá, num país em dívida, a atenção seja inversa...
O livro, de leitura muito fácil e interessante, trata de vários problemas, fazendo algumas perguntas simples que muitos evitam. Por exemplo, "imagine-se o que teria aconte-cido depois da eclosão da crise financeira em 2008 se o euro não existisse" (pág. 53), e acima de tudo, a questão que tantos escondem: "Qual era a alternativa?" (pág. 72). É tão fácil fantasiar e acusar! Mas aqui ouvimos quem não se podia dar a esse luxo, porque lidava com o problema.
Além disso, como "o presidente do Conselho Europeu tem poderes algo limitados" (pág. 129), a sua missão é "ser alguém que estabelece pontes, que facilita o consenso" (pág. 184), porque "uma negociação que termine com vencidos nunca é uma boa negociação" (pág. 184). Esta situação, única na história, tem uma dificuldade inimaginável, aqui descrita de forma eminente. Temos personagens como Merkel e Sarkozy, como nunca as vimos, mas também outras, como a primeira-ministra eslovaca, que sacrificou a sua carreira política para salvar o euro (pág. 62).
Na novela infantil O Feiticeiro de Oz, de L. Frank Baum (1900), Dorothy e os amigos descobrem que o poderoso mágico é apenas um velhinho simpático. Neste livro também aprendemos que a solução dos problemas não vem da magia, mas dos nossos esforços.

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