É urgente aprender a pensar

Jorge Fiel
Jornal de Notícias, 2014.07.02

No liceu, passei sempre à rasquinha. À época, a aprovação a uma disciplina exigia um mínimo de 29 valores no somatório final das notas dos três períodos. Experimentei quase todas as variantes da equação, desde os clássicos 10-9-10 e 9-9-11 até modalidades mais acrobáticas como o 15-6-8, no 6.° ano (atual 10.°) de História, a área em que me licenciei. Algum 12 só no 3.° período para safar uma perigosa combinação 8-9 herdada dos dois primeiros períodos. Era um aluno medíocre e devo confessar que foi por obra e graça do 25 de Abril que concluí o liceu. No ano letivo 73/74, estava a repetir o 7.° ano, dependurado só pelo Alemão. A coisa não corria bem, pois estava mais preocupado com a luta contra a guerra colonial (e a favor do amor livre) do que com os ensinamentos do "Deutsche Sprachlehre fur Auslander". Valeu-me o MFA. Com medo que a saneassem, a professora cobriu com um imerecido 14 os dois 8 dos períodos anteriores.
Só comecei a ter boas notas na faculdade. A Nossa Sr.ª de Fátima está isenta de culpas neste milagre, que atribuo ao efeito conjugado das intensivas leituras feitas na adolescência e dos mil e um debates políticos em que me envolvi, que estimularam o pensamento e treinaram a minha capacidade de argumentação e de exposição de ideias - mas também ao ensino aberto e crítico proporcionado pela maioria dos professores que tive na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
As notas subiram porque, quando me sentava para fazer um exame escrito, com a duração de duas horas, reservava a primeira meia hora, às vezes até mais, para ler cuidadosamente as perguntas e traçar, no papel de rascunho, um esquema minucioso e detalhado das respostas. E escrevia-as a pensar sempre no cliente - no caso, o/a professor/a que tinha de ler o exame. Ou seja, fazia tudo para lhes facilitar o trabalho da correção.
Em vez de cair na tentação de despejar atabalhoadamente para o papel a matéria (na maior parte das vezes aprendida à pressa e colada com cuspo), usava uma caligrafia tão limpa como tipografia para evidenciar de forma clara e sintética os meus conhecimentos. A isto chama-se marketing. Estava orientado ao mercado. O esforço compensava.
O Mundo mudou muito desde o meu último exame na faculdade. Há 33 anos, nem os melhores escritores de ficção científica publicados na coleção Astronauta (Livros do Brasil) sonhavam com a Internet, o Google ou o Facebook. Mas há coisas que não mudaram. Não mudou a importância dos exames como ato de preparação para a vida real que é e será, sempre e cada vez mais, uma sucessão de exames exigentes. Não mudou aquilo que é tarefa mais urgente da escola, a saber, ensinar os alunos a pensar, estudar e trabalhar.
Na faculdade, aprendi coisas tão preciosas como a de usar a cabeça para pensar e descobrir como ser mais eficaz no estudo e no trabalho. É com estas preciosas ferramentas que me tenho desembrulhado na vida. E por maioria de razão, o que acabo de escrever é também válido para as áreas científicas, onde a quantidade de nova informação duplica de dois em dois anos, o que quer dizer que, num curso superior com quatro anos, metade da matéria que um estudante aprende no 1.° ano estará desatualizada quando ele chegar ao 3.°.

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