O que falha na escola inclusiva

Inês Teotónio Pereira | ionline 2014.07.05
Em Portugal existe o princípio da escola inclusiva, segundo o qual todos, independentemente de dificuldades ou deficiências, têm o seu lugar na escola
No final da década de 70, um estudo sobre o sistema educativo publicado em Inglaterra concluía que, "ao longo da escolaridade básica, uma em cada cinco crianças apresentará, em algum momento, necessidades educativas que implicam a adequação do processo de ensino e aprendizagem". Ora, tendo eu seis filhos e tendo em conta esta média, a probabilidade de um deles apresentar as referidas necessidades educativas era grande. E assim foi, um deles tem dislexia grave. Com ele entrei no mundo das necessidades educativas especiais e da escola inclusiva. Passámos por tudo: diagnósticos, relatórios, consultas várias, avaliações, plano educativo individual, ensino especial, etc. Uma viagem acima de tudo técnica, com linguagem própria, cheia de obstáculos, angústias, siglas e muito, muito difusa. No mundo da educação especial as definições são abrangentes, pouco consensuais e o universo é amplo: vai da deficiência às dificuldades de aprendizagem; vai das necessidades educativas que têm origem na deficiência a um simples problema fonológico. Em Portugal existem 62 100 famílias que, tal como a minha, viajam por este mundo. Uma viagem alucinante e quase sempre solitária.
Em Portugal existe o princípio da escola inclusiva, segundo o qual todos, independentemente de dificuldades ou deficiências, têm o seu lugar na escola. O princípio está correcto e é unanimemente aceite, mas será que na prática a escola portuguesa é mesmo inclusiva? Ainda não. Na educação especial cada caso é um caso único, que precisa de respostas rápidas, intervenções eficazes e objectivos consistentes. É verdade que todos os alunos têm acesso à escola, mas não é verdade que todos estejam incluídos, ou seja, que as suas necessidades tenham resposta e que façam um percurso evolutivo dentro da escola pública. Muitos ficam pelo caminho, pois a escola não os integra verdadeiramente. A verdade é que os meios que muitas escolas disponibilizam não são suficientes, e na educação especial quem tem dinheiro tem meio caminho andado. Também é real o fatalismo com que se tende a marcar o destino destas crianças, ou porque são apenas rotulados de maus alunos ou porque se considera estupidamente que não serão produtivos.
E quais são as principais lacunas deste sistema chamado inclusivo? Começam logo por aquilo a que tecnicamente se chama enquadramento. Se a criança tem uma deficiência ou uma dificuldade permanente, tem direito a ser enquadrada na chamada escola inclusiva e o privilégio de ter acesso aos planos de intervenção e aos meios que existem. Mas, se o seu problema for temporário e "curável", só a sensibilidade do professor, a insistência dos pais, o dinheiro ou a sorte a conseguem enquadrar. Se nenhuma destas variáveis existir, as necessidades temporárias podem tornar-se permanentes, o insucesso escolar inevitável e o abandono escolar um risco. Nesta fronteira estão milhares de famílias. Famílias em que os filhos apresentam dificuldades de aprendizagem mas não têm dinheiro para pagar uma avaliação externa e têm o azar de o professor continuar à espera do clique.
Quando as necessidades são reais e diagnosticadas a tempo, diz a doutrina, a lei e o bom senso que têm direito a um percurso escolar digno, consistente e que responda às suas necessidades concretas. Mas também aqui a distância entre a teoria e a prática é grande. São muitos os alunos que frequentam a escola para cumprirem a escolaridade obrigatória e apenas para a cumprirem. O que no final dos 12 anos levam para casa é pouco, quer em termos de competências adquiridas quer em termos de autonomia. O diagnóstico da nossa escola inclusiva está feito e é mais ou menos consensual. Há umas semanas o Conselho Nacional de Educação sistematizou em pormenor o que falha e aquilo que é urgente fazer. A boa notícia é que não implica gastar mais dinheiro: apenas mais formação dos professores, uma gestão eficaz dos meios já existentes, alterações legislativas pontuais, mais e melhor coordenação entre as entidades da Saúde, da Segurança Social e da Educação e muito bom senso. Depois, sim, podemos dizer que a escola portuguesa é realmente inclusiva.

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