A língua de Miley Cyrus

Paulo Nogueira © SNPC | 24.06.14
O que leva uma jovem, para não dizer uma criança, a escrever num cartaz: «Miley, dá-me a tua língua«? Esta imagem incomodou-me. Foi captada à saída do Meo Arena, no final do concerto que a cantora norte-americana deu recentemente em Lisboa. A criança estava em estado de quase histeria. Tinha acabado de ver o espetáculo da sua (curta) vida. Não pedia o coração, nem sequer o fígado, queria a língua da cantora.
Para quem não sabe, o cartaz promocional da digressão mundial de Miley Cyrus é, precisamente, uma imagem sua, de língua de fora, a lamber o reflexo da sua própria língua num espelho. Uma imagem carregada de erotismo e na linha do comportamento mais recente desta cantora que tem primado por atitudes com forte carga sexual, no sentido de chocar.
Pessoalmente não fico particularmente chocado com essas atitudes. Para mim não passam de uma imagem criada para vender um produto. São um embrulho (de mau gosto) para uma cantora que no passado esteve ligada à Disney e a um imaginário mais infantil e que, agora, precisa de se demarcar dessa imagem e desse imaginário.
O que me choca é ver uma criança a caminho da adolescência a pedir, em histeria, a língua de Milley. O que quer esta criança? Será que sabe, sequer, que significado mais profundo tem esse gesto narcísico e de prazer sexual. E os pais desta criança? Sabem que a filha fez este pedido? E sentem-se preocupados com isso?
Quero acreditar que a maioria dos pais sentiria alguma preocupação, mas na mesma peça televisiva em que aparecia esta criança também pude ver o comentário de uma mãe que acabava de acompanhar a sua filha no referido espetáculo. Essa mãe minimizava a carga sexual do show, bem como as atitudes da cantora. Possivelmente tem razão. Não dar muita importância aos factos talvez seja a melhor forma deles não terem importância.
Fico, apenas, com uma dúvida. Será que essa é uma atitude inteligente? Ou haverá aqui uma grande falta de preparação para lidar com estas questões e saber falá-las com os filhos? Ou ainda, será que a própria mãe concorda que acima de tudo o que está aqui em jogo é a felicidade pessoal que tem diversas formas de se exprimir, não sendo condenável qualquer atitude mais radical porque todos têm direito a ser felizes, respeitando a opinião dos outros?
O que essa mãe não descobriu, ainda, é que a felicidade construída sobre mim mesmo não tem raízes para existir. A minha felicidade é tanto maior quanto mais for construída na base de eu ser agente da felicidade dos outros. É assim na vida em geral, no casamento, nas relações familiares... Foi essa a grande novidade de há 2000 anos e não se trata de um embrulho nem visa vender qualquer produto. É a vida, vivida de outra forma, longe do mainstream dos dias de hoje. Isso sim é subversivo. Lamber o reflexo da sua própria língua é apenas um gesto bem menor.   

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