42 «nenes» na cama do Papa



José Maria André | «Correio dos Açores», «Verdadeiro Olhar» 22-VI-2014
No dia 13 de Junho a televisão deu uma longa entrevista do Papa Francisco ao português Henrique Cymerman. Em todo o mundo, não foram poucos os jornais, revistas e televisões que revindicaram o título de «entrevista exclusiva». Como todos eles publicam as crónicas que Cymerman escreve do Médio Oriente, todos lhe chamaram jornalista da casa. Esta multiplicação dos «exclusivos» fez-me lembrar a multiplicação dos bebés, os «nenes», como lhes chama o Papa na entrevista 
A entrevista está disponível aqui. Dura quase uma hora, mas nem se dá pela passagem do tempo.
A certa altura, a propósito das campanhas contra Pio XII, o Papa diz que, durante a perseguição aos judeus, nasceram 42 bebés na cama do Papa, em Castel Gandolfo. O casarão de Castel Gandolfo não é assim tão grande, mas a Igreja mobilizou todos os locais possíveis para esconder os judeus perseguidos. Recantos de igrejas, conventos de clausura, edifícios da Santa Sé, todos os esconderijos se encheram, para além do razoável, incluindo o quarto do Papa. Não foram só algumas dezenas de milhares de judeus que viveram escondidos. Foi uma multidão impressionante, mesmo nas barbas dos nazis, que na época ocupavam a Itália. Em Castel Gandolfo, o quarto do Papa, como zona mais reservada da casa, acolhia os casos especiais e assim nasceram 42 bebés na cama de Pio XII.
O Papa Francisco recordou os muitos gestos de gratidão dos judeus, por Pio XII ter salvo tanta gente; e as declarações de Golda Meir (Ministra de Israel) quando Pio XII morreu. Como não podia deixar de ser. E, de repente...
Vale a pena recordar. Foi no dia 20 de Fevereiro de 1963 que um jovem, praticamente desconhecido, chamado Rolf Hochnuth, levou à cena «Der Stellvertreter» (em português «O Vigário»), num teatro de Berlim Ocidental. Num tempo recorde, a peça foi traduzida em 25 línguas, representada em teatros de todos os continentes, citada nos jornais quase como se fosse um documento histórico e transportada para o cinema. A mensagem era simples: Pio XII assobiava para o lado, enquanto os nazis matavam os judeus.
Paulo VI, que tinha sido um dos colaboradores mais próximos de Pio XII no tempo da guerra, protestou energicamente, e repetidas vezes, contra aquela mentira. Fizeram-se investigações históricas. Muitíssimos judeus publicaram testemunhos de primeira mão, alguns comoventes. O «L'Osservatore Romano» publicou 80 histórias pessoais que, ao contrário da peça, eram perfeitamente reais e assinadas pelos próprios. Não serviu de nada. A ficção foi mais forte que a verdade.
Reli há dias o livro autobiográfico de Israel Zolli, Rabino-Chefe durante várias décadas. Quantas peripécias! Incluindo obviamente as angústias da perseguição. Mas o mais interessante é o relato da conversão. Ele e a mulher foram baptizados e ele ficou com o nome de Eugenio Zolli, em recordação do bem que Eugenio Pacelli (mais conhecido como Pio XII) tinha feito aos judeus. Atacaram-no forte e feio: Um judeu deve ser sempre um judeu! Claro ‒ defendia-se Zolli ‒, mas Cristo era judeu, e os doze apóstolos eram judeus!... Zolli era professor universitário e um especialista mundial em hebraico e Sagrada Escritura. Mas nem valia a pena ouvir! A ficção conseguia falar mais forte que a verdade.
Bem, não completamente. Durante 50 anos, a ficção foi mais forte que a verdade, mas só durante 50 anos. O horizonte está a mudar.
Há dias, um judeu português, filho de um judeu polaco fugido do Holocausto e de uma mãe judia sefardita, entrevistou o Papa Francisco, em «exclusivo» para todo o mundo

‒ A selecção que o Papa apoia?
‒ «Os brasileiros pediram-me neutralidade! E vou cumprir a minha palavra!».

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