Para uma resposta europeísta ao populismo antieuropeu

João Carlos Espada, Público, 21/10/2013
O crescimento do populismo antieuropeu não está na agenda oficial da reunião do Conselho Europeu que decorrerá na quinta e sexta-feiras. Mas ele estará certamente no centro das preocupações de boa parte dos participantes. E com toda a razão. O tema deve merecer a preocupação dos europeístas e deve ser estudado com ponderação.
Quase todos os principais jornais europeus mencionaram o tema, na semana passada. O Financial Times, de Londres, dedicou-lhe integralmente a habitual secção de "Análise". E passou em revista a crescente popularidade de partidos antieuropeus no seio da União.
O interesse pelo tema terá sido desencadeado pela vitória da Frente Nacional (FN) de Marine Le Pen, a 6 de Outubro, na primeira volta das eleições locais em Brignoles, no Sul de França. O candidato da FN obteve 40% dos votos, o dobro da votação da UMP, o partido de centro-direita. Na mesma semana, uma sondagem do IFOP colocava a Frente Nacional em primeiro lugar nas intenções de voto dos franceses para as eleições europeias do próximo ano.
Entretanto, o Financial Times resolveu fazer um apanhado da situação nos vários países-membros da União Europeia. E o resultado confirma a preocupante subida dos partidos antieuropeus para além da França, designadamente na Finlândia, Holanda e Reino Unido. Em termos de percepção popular da UE, as sondagens mostram ainda um acentuado declínio entre 2007 e 2013, incluindo, além dos países já citados, a Alemanha, Espanha, Grécia e Itália. O estudo poderia ter incluído a Polónia, onde a vontade de aderir ao euro tem decaído significativamente e o partido eurocéptico Lei e Justiça sobe acentuadamente nas sondagens.
Como enfrentar este problema? Esta é uma pergunta de magna importância para os europeístas. Não deve ser evitada com os habituais comentários de desprezo pela ignorância ou visão de curto prazo dos eleitores - uma tendência infelizmente recorrente entre alguns círculos de Bruxelas. Três observações poderão ser úteis para iniciar uma reflexão séria sobre o tema.
Em primeiro lugar, convém recordar um princípio elementar de Teoria Política: numa democracia liberal, existe uma distinção crucial entre regras do jogo e propósitos particulares. As regras do jogo são sagradas, por assim dizer, e incluem os preceitos fundamentais do pluralismo, separação de poderes, direitos fundamentais e controlo parlamentar sobre os governos. Mas, no âmbito destas regras do jogo sagradas, existe uma controvérsia permanente entre propósitos, ou políticas, rivais. Não existem, neste sentido, propósitos ou políticas sagrados ou oficiais. As regras do jogo da democracia não devem por isso ser identificadas ou associadas a políticas ou propósitos particulares. Estes variam consoante as flutuações do eleitorado, e em regra flutuam através da alternância entre partidos rivais - que em regra defendem propósitos e políticas rivais.
Em segundo lugar, pode ser conjecturado que, no interior da União Europeia, esta distinção tem sido menosprezada - devido à errónea identificação das regras do jogo democrático da UE com o propósito particular de uma "União sempre mais integrada" ("ever closer Union"). Esta errónea identificação poderá ter sido ainda mais acentuada pelo projecto da moeda única, o euro, que erroneamente tem sido identificado como uma espécie de pilar constitucional da UE. Por outras palavras, o euro e uma união sempre mais integrada são apenas legítimos propósitos ou propostas políticas particulares no interior da UE. Mas não são os únicos possíveis, nem devem ser identificados com as regras do jogo sagradas da UE. O que a Teoria Política ensina é que, no interior da UE submetida às regras do jogo demoliberal, seria de esperar uma permanente concorrência entre propostas democráticas rivais: umas favoráveis a mais integração, outra favoráveis a mais devolução de poderes aos Estados nacionais e possivelmente ao mercado e à sociedade civil.
Intrigantemente, não temos assistido a esta rivalidade entre os partidos de centro-direita e centro-esquerda que apoiam a UE - com a possível excepção do Reino Unido, onde o partido conservador, e alguns sectores dos trabalhistas, reassumem agora uma posição favorável à devolução de poderes, em boa parte como sábia resposta preventiva contra a subida do UKIP.
Pode agora ser conjecturado, em terceiro lugar, que aquela ausência de políticas rivais entre os partidos centrais europeístas terá aberto caminho ao crescimento de partidos antieuropeus e, nalguns casos, simplesmente xenófobos. Se esta conjectura for acertada, a reacção dos europeístas devia ser a de incorporar nos seus programas propostas de devolução de poderes, e não de "União sempre mais integrada". Desta forma, seria possível esvaziar as plataformas populistas dos antieuropeus e reintroduzir no jogo político europeísta a saudável concorrência que caracteriza a vida política das democracias liberais.

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