A lição de Filosofia de Manuel Maria Carrilho
Henrique Monteiro
Expresso, Quarta feira, 30 de outubro de 2013
Várias gerações, sobretudo depois de o positivismo do séc. XIX se ter afirmado no campo do pensamento, entenderam que a educação, a ciência, a cultura e o conhecimento em geral tornariam as pessoas e as sociedades melhores. A cada conquista educacional, mais uma luz brilharia sobre as trevas. O mal não era algo em si mesmo, como de certa forma defendera Santo Agostinho, mas a consequência da rarefação do bem.
Mais tarde, sobretudo com a II Guerra Mundial, os trabalhos de Hannah Arendt e romances como o de Primo Levi ('Se Isto é um homem') colocaram o mal noutro domínio. Haveria nele uma banalidade, uma possibilidade aberta a qualquer homem. Recentemente, as teorias sobre a convicção, em que trabalhou afincadamente talvez o melhor filósofo português dos últimos 50 anos e precocemente falecido Fernando Gil (irmão do também filósofo José Gil), voltaram a recentrar a questão: por que motivo duas pessoas com a mesma formação e a mesma vivência geram convicções e comportamentos diferentes? Fernando Gil, com quem tive o privilégio de privar, por via do também já falecido comum amigo José Gabriel Viegas (que foi crítico literário no Expresso), fazia-nos e fazia-se várias vezes esta pergunta. O seu livro a 'A Convicção' (de 2000, infelizmente mais conhecido em França) ensaia também respostas a esta pergunta.
Ora Manuel Maria Carrilho é filósofo, tendo sido aliás colega de Fernando Gil como professor na Universidade Nova e ultimamente adversários no campo das ideias. Carrilho também é doutorado em Filosofia, e como Gil também está traduzido em francês. Vem de famílias com conhecimentos e rendimentos elevados (o seu pai foi Governador Civil de Viseu e Presidente da Câmara da cidade). É um favorecido. Conhece o bem e o mal, há muito que deveria estar num estado civilizacional avançado. E, no entanto, as coisas que vai dizendo da sua ex-mulher Bárbara Guimarães (independentemente das razões que possam assistir a qualquer dos lados) são próprias de um primitivo ignaro. São lamentáveis.
Qualquer casal desavindo tem os seus exageros, mas ninguém tem o direito de arrastar publicamente o nome do outro (dos pais do outro - avós de seus próprios filhos) pela lama. Ninguém tem o direito de dizer o que ele disse sobre a vida íntima da ex-mulher. E ele, filósofo, ex-deputado, ex-ministro da Cultura, ex-embaixador, sabe bem a distinção entre o bem e o mal. Opta pelo mal, provando que este também é banal, demonstrando que existe a possibilidade de ele se inscrever em pessoas por mais demãos de camadas de verniz tenham em cima. A lição de Filosofia de Carrilho é que os nossos antepassados podem estar errados. Podem não bastar a civilização e o conhecimento para um homem (ou uma sociedade) praticar o bem.
Cada ser tem as suas possibilidades abertas e o livre arbítrio de escolher um caminho. O caminho de Carrilho, mais do que condenável é lastimoso. Apenas merece aquela compaixão devida aos que já estão condenados por crimes graves.
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