As famílias seguram Portugal
Henrique Raposo
Expresso, Terça feira, 29 de outubro de 2013
Durante os anos 80 e 90, o Vale do Ave foi vítima do anedotário queirosiano, essa mania que recusa ver indícios de progresso e prosperidade em Portugal, esse preconceito muito sofisticado, ora essa, que recusa ver um empresário europeu no rosto de um industrial português. Como dizia há dias Daniel Deusdado no Jornal de Notícias, o Vale do Ave servia de galeria de tiro para as piadolas sobre Ferraris de empresários burgessos, patos bravos do têxtil, gente sem visão. Mas, passados duas décadas, quem é que está a segurar as exportações? Quem é que está a manter o país à tona? Os empresários do Norte, Vale do Ave incluído, empresas familiares como a Riopele, produtora de tecidos para a alta costura.
Há vinte anos, além das piadolas sobre Ferraris, a nossa indústria foi varrida por uma moda de gestão que exigia a desindustrialização. Manter fábricas era coisa de pobre, de azeiteiro. Controlando apenas o design das marcas, os países europeus deviam deslocalizar a produção inteira para as mãos baratas de chineses e afins. À nossa espera estava uma utopia sem trabalho, sem gente encardida à volta de parafusos e teares. Bastava o turismo e os serviços, actividades de indivíduos lavadinhos, sem uma grama de pó ou óleo. Mas José Alexandre Oliveira, patrão da Riopele, rejeitou este mantra e manteve a sua produção em Pousada de Saramagos, 900 operários em 170 mil metros quadrados. Uma decisão marcada pelos 85 anos de controlo da família sobre a empresa. E, verdade seja dita, esta condição familiar revelou mais sabedoria do que aqueles tomos de gestão escritos por jovens imberbes acabadinhos de sair das faculdades, mancebos que nunca geriram ninguém, que nunca criaram nada.
Se o adn familiar das nossas empresas pode ser um factor de irracionalidade (como despedir a Dona Amélia que trabalha há décadas na empresa e que trata por menino o filho do dono?), também pode ser uma vantagem nos produtos que impliquem um ar artesanal, arts and crafts, gourmet e não sei quê. Como diz José Alexandre Oliveira, "os japoneses chegam aqui e certificam a empresa com os olhos. A nossa imagem é mais valorizada lá fora do que cá". Esta qualidade made in Portugal, a milhas das confecções deslocalizadas, permite à Riopele a conquista de novos mercados como o Japão e a fidelização dos clientes do costume, estaminés sem importância como Armani, Hugo Boss, Prada, Valentino. Em simultâneo, outra característica familiar e portuguesa, o desenrascanço, dá às empresas como a Riopele uma capacidade única de adaptação às necessidades voláteis dos clientes. Os portugueses conseguem fazer encomendas à medida melhor do que ninguém. Neste momento, a Riopele e outras fábricas têxteis até conseguem roubar clientes aos italianos. Quem diria que o desenrascanço seria um factor de competitividade?
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