Nobel
Ionline, 2013-10-26
Diz o provérbio latino: verba volant, scripta manent – as palavras voam, mas os escritos permanecem
Nem todos, é claro. Também há obras que se evaporam como a espuma de uma onda passageira que, por mais que brame está, à partida, condenada a morrer na praia. Certos textos são como as tempestades de verão: muito ruído, relâmpagos e trovões, mas quase nenhuma água, nenhum fruto. São letras estéreis, que uma mente febril concebeu e uma trémula mão projectou no papel, em vão.
Outra é a prosa de quem escreve com o coração, de quem se escreve nas letras que desenha e oferece, em singela oblação. Quando a escrita não é o fel da maledicência, quando não é gerada por um amor narcisista de auto-contemplação, nem se adorna com o ouropel de uma falsa erudição, então é poesia, porque é prece, oração.
Sei de alguém que escreve assim. Sei que as suas crónicas correm, de mão em mão, pelas enfermarias dos cancerosos, onde deixam um rasto de paz e de alegria. Sei que um fulgor de esperança se acende nesses corpos devastados pela dor e que, então, a sua fraqueza mortal resplandece na imortalidade do amor. E sei que o autor, quase envergonhado por essa bênção divina de que é apenas instrumento, aprecia mais o galardão deste alívio anónimo, na solidão de uma camarata qualquer, do que um prémio Nobel. E tem razão.
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