Os feitos de Gaspar
Ricardo Reis | 06/07/2013 | Dinheiro Vivo
A prestação de Vítor Gaspar é bastante boa quando comparada com Sousa Franco, Ferreira Leite ou Teixeira dos Santos
Na enorme confusão desta semana uma coisa parece ser certa: Vítor Gaspar acabou o seu serviço como ministro das Finanças. Nos últimos tempos, ele foi um ministro impopular, mas em Portugal passa-se rapidamente de besta a bestial. Com a distância do tempo, não faltam pessoas que já foram odiadas mas são hoje veneradas.
O ministro das Finanças é, acima de tudo, responsável pelas contas do Estado. Por isso, o melhor indicador do seu desempenho é talvez o défice público primário, excluindo juros. Em 2011, o Estado gastou 0,4% do PIB mais do que aquilo que recebeu; em 2012 o défice foi 2%. Estes valores estão longe ser brilhantes, mas uma avaliação tem de ter um ponto de referência. Em relação ao equilíbrio de que Portugal precisa, e ao que estava previsto nos acordos com a troika, o défice público foi muito alto nos últimos dois anos. Já em relação aos dois anteriores (défices de 7,3% e 7% em 2009 e 2010), as melhorias são significativas. Para além disso, Portugal está em recessão, e nestas alturas é natural e salutar que os défices aumentem. Olhando antes para o défice estrutural, que remove os efeitos do ciclo económico, a prestação de Gaspar é mesmo bastante boa quando comparada com Sousa Franco, Ferreira Leite ou Teixeira dos Santos.
A fonte dos nossos problemas orçamentais é o crescimento imparável da despesa pública. Cavaco Silva bem falou do "monstro" em 2000, mas nos dez anos seguintes a despesa e os impostos que a suportam continuaram a crescer. Há dois anos muitos diziam que em democracia era impossível baixar a despesa pública. Vítor Gaspar fez o impossível. Em 2011 e 2012, a despesa pública do Estado caiu, quer em euros quer em percentagem do PIB, e caiu mais do que alguma vez nas últimas três décadas.
Saindo do perímetro orçamental, podemos olhar para indicadores mais abrangentes que por um lado são mais importantes para o país mas por outro estão bem longe do controlo do ministro das Finanças. Num dos lados da balança a taxa de juro da dívida pública a dez anos desceu 4,6% entre a tomada de posse de Vítor Gaspar e a sua renúncia, e Portugal voltou a conseguir financiamento privado. No outro lado, o desemprego subiu uns assustadores 5,6%, ainda mais do que nos dois anos anteriores (3%).
Uma comparação final é talvez a mais reveladora. Ernâni Lopes é hoje um dos mais elogiados ex-ministros das Finanças da nossa democracia. Esteve no poder quase exatamente o mesmo tempo que Vítor Gaspar, numa altura em que Portugal também tinha um empréstimo do FMI. Em relação a 1983-1985, o desemprego subiu muito mais entre 2011 e 2013, mas desta vez não tivemos a enorme inflação dessa altura. O empobrecimento real das famílias é semelhante; a descida no défice também. Mas, ao contrário de Lopes, suspeito que Gaspar não vai ter a sorte de nos próximos anos ver o país dar um salto em frente: agora, os ventos da Europa não empurram o barco, atrasam o progresso. Daqui a 25 anos veremos como nos lembramos de Vítor Gaspar.
Professor de Economia na Universidade de Columbia, Nova Iorque
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