Ilusão voluntária
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 20130701
O povo gosta que lhe mintam. Agora tem um Governo que diz a verdade e considera-o o pior de sempre, muito inferior aos anteriores, que nos convenceram de todas aquelas aldrabices que geraram a crise. Uma conclusão plausível do paradoxo é que o povo quer que o enganem.
Se este Governo diz a verdade não é por ser melhor. A situação é que é pior. Portugal bateu na parede e chegou a um estado em que as alternativas boas não existem e a conjuntura impede ilusões. Por isso, relutantemente, os ministros estão a dar más notícias, revelar o desastre, impor sacrifícios inevitáveis. Agora já não é possível aos responsáveis ocultar a realidade e vender fantasias. Mas o povo não quer isso.Houve tempos em que o povo gostava de saber a verdade. Em 1974 e 1986 os portugueses estavam assustados. Nessa altura quem lhes descrevesse as dificuldades era eleito e conseguia fazer as reformas necessárias. Depois de 1992 vieram os anos da euforia a crédito. Hoje o povo está, não assustado, mas indignado. E quem sente revolta não quer que lhe digam a verdade, mas que o ajudem a descarregar os nervos. Por isso a mentira anda a prémio. Quem tiver a retórica mais bombástica e incendiária recebe aplausos, mesmo que diga rematada tolice; mesmo que agrave a situação já tão difícil.
António José Seguro sabe perfeitamente que a sua ideia de renegociar o programa de ajustamento é um mito impossível. Quando o PS for Governo ninguém, nem ele próprio, gastará um minuto a pensar nisso. Só o diz porque não pode assumir publicamente que não tem alternativa credível ao caminho que o País segue. De certa forma, o que afirma até é lisonjeiro para o Governo, admitindo implicitamente que nestas condições não se pode fazer melhor. Por isso invoca uma inverosímil mudança de circunstâncias.
Jerónimo de Sousa tem consciência plena de que a sua proposta de expulsar a troika e recusar a austeridade significaria uma desgraça nacional muito pior que a actual. Fazer o que o PCP e BE propõem seria balbúrdia e miséria. Portugal hoje só consegue financiar-se através dos fundos de emergência do FMI e UE, que vêm com as difíceis condições de ajustamento. Mas segui-las é a única forma de algum dia o País recuperar a credibilidade externa e regressar à normalidade. A razão por que esses partidos dizem essas coisas com tanta convicção e vigor, é porque sabem perfeitamente que elas nunca se verificarão, porque no fundo ninguém lhes liga. Sem quaisquer responsabilidades, podem esbracejar à vontade, servindo entretanto alguns interes-ses ameaçados pelos cortes.
Carlos Silva e Arménio Carlos percebem sem dificuldade que as greves são uma perda de tempo, nada alterando numa situação em que não há escolhas. Mas têm de apresentar serviço e fingir que existe outra política que evitaria os sacrifícios. Sempre com o cuidado de deixar omissos os contornos dessa solução milagrosa. Tal como os partidos da oposição, fazem dos protestos uma cortina fumo para esconder o facto de nunca terem dito, afinal, o que é que queriam que se fizesse, e como se pagava.
Mário Nogueira não tem ilusões que sem reformas e, em particular, sem cortar a sério no número e condição dos professores, o sistema de educação português fica arruinado. Mas o sistema de educação é a última das suas preocuações. O que ele quer é fazer mais barulho do que os outros sectores, de forma a que o Governo, para o calar, tire deles para minorar, ao menos em parte, os sacrifícios da sua classe. E já conseguiu.
A situação portuguesa é dura mas evidente. Temos uma das maiores dívidas externas do mundo. É claro que nunca a poderemos pagar, nem ninguém quer que o façamos. O que é preciso é estancar a sangria e pôr a casa em ordem, de forma a colocar a dívida em trajectória descendente, honrando os juros. Para isso surge a austeridade a que temos assistido. Senão é falência, descrédito, isolamento. A única alternativa é o caos, que vemos noutras longitudes. Esta é a verdade, nua e crua. E é bem dura. Assim, até nem admira que o povo goste que lhe mintam.
Comentários