Necessidade de falar

JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2013-07-15

Quanto menos se sabe de um assunto, mais se fala dele; e a veemência cresce com a incerteza e a insegurança. Gostamos de conversar sobre amor, saúde, negócios, desporto e política, precisamente aquilo que menos controlamos. Afinal são esses os temas dos horóscopos...
No meio de uma crise socioeconómica, as coisas agravam-se. É espantosa a quantidade de oráculos férreos e afirmações definitivas em temas que todos, incluindo o orador, sabem ser fluidos e controversos. É o próprio sofrimento da realidade que impele a necessidade de falar, substituindo a objectividade pelo magro conforto da retórica.
Quando alguém sofre, para mais injustamente, as suas palavras ganham peso especial. Por isso os maiores disparates passam por sabedoria na boca de vítimas. No aperto e na confusão, teorias mirabolantes justificam direitos insustentáveis, concedendo ao seu autor credibilidade indiscutível. Assim o debate sobe de tom, com afirmações drásticas em assuntos ignorados.
Um truque habitual na elaboração de temas desconhecidos é o uso de postulados simples, que a própria retórica torna indiscutíveis. Por exemplo, todo o País sabe que a classe política é uma vergonha. O que isso significa é difícil de compreender, pois todas as gerações sempre o repetiram, e os políticos só são louvados depois de mortos. Serão Passos e Seguro piores do que Cavaco e Soares? Merkel e Hollande? Kohl e Mitterrand? O insulto foi igual em todos.
Esse desprezo pela classe política tem a enorme utilidade de explicar a situação sem sujar as mãos na confusão da crise. Não se fala da realidade, mas do discurso sobre a realidade. A isto junta-se um truque elementar: todos gostam de um bom paradoxo; por isso é quase irresistível acreditar que o País sofre não da doença, mas da cura. Porque é que um político faria uma coisa dessas, para mais sem notar, fica sempre omisso. Mas, afinal, nesta vergonha até nem admira. O que interessa é que assim se pode ignorar totalmente a economia, limitando os argumentos ao circo da classe política que, como toda a gente sabe, é uma vergonha. É espantosa a quantidade de pessoas que falam da crise sem nunca referir a dívida esmagadora, as distorções produtivas, ou seja, a crise. A recessão é económica, mas não se discute economia; só política.
Alguns argumentos são contraditórios, sem o empolgado tribuno se dar conta. Muitos empresários queixam-se amargamente que os ministros, sem perceberem nada de empresas e mercados, tomam medidas que as destroem. Quem o diz, por muito verdade que tenha (e infelizmente tem), não se dá conta de que está a cair no mesmo erro que denuncia, precisamente ao fazê-lo. Porque as actividades governativa e legislativa são também muito difíceis e complicadas, pelo menos tanto quanto as empresas e mercados. E os gestores e agentes económicos sabem tanto ou menos delas do que os políticos sabem de economia. Assim, ao criticarem a influência que as leis têm na sua acção, atribuindo-a à ignorância da classe política, o analista de café mostra uma ignorância pelo menos igual à que critica.
Mas será este paralelo justo? Estão economia e sociedade ao nível da política? Não se pode dizer que o Estado tem a influência e a sociedade é vítima, pois todos vemos como o poder é frágil e como, em democracia ou não, os governos dependem desesperadamente do apoio das forças sociais. Por outro lado, existe uma ilusão de óptica neste argumento. A sociedade é muito maior do que o cantinho da conversa. O facto de esta empresa ou de este mercado serem prejudicados não prova que a política não sirva o todo. Aliás, a experiência recente mostra-o abundantemente, quando durante décadas os governantes pareciam ajudar os múltiplos cantinhos da sociedade, arruinando o País. É, aliás, por isso que é preciso agora prejudicar empresas e mercados para equilibrar a sociedade.
Nos momentos difíceis, as pessoas sentem uma irreprimível necessidade de falar, normalmente com mais veemência do que juízo. A vantagem desta compulsiva ânsia de dizer disparates é que "cão que ladra não morde".

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