Assunção Esteves: Camilo em vez de Simone
Ionline 2013-07-13
Assunção Esteves, se tivesse estado à altura do cargo e da função que desempenha, ter-se-ia limitado a dar instruções à PSP para evacuar as galerias
A 11 de Julho de 2013 viveu-se no parlamento um dos mais insólitos momentos da vida democrática dos últimos 39 anos. Perante uma manifestação nas galerias do hemiciclo, a presidente da Assembleia da República reagiu gritando aos manifestantes que fizessem o favor de sair. E repetiu várias vezes o comando! O facies, o tom de voz e as próprias palavras só têm uma qualificação: foram inadmissíveis e intoleráveis.
Assunção Esteves é, antes de mais, deputada. É, depois, titular do segundo cargo na hierarquia do Estado. É também uma mulher formada. Com traquejo político e social. Ex-juíza-conselheira do Tribunal Constitucional. Ex-docente universitária. Representa e vincula o Estado.
Assunção Esteves não está, portanto, obrigada apenas pelos deveres que impendem sobre os representantes da nação. Está sujeita às exigências de dignidade, probidade, educação e respeitabilidade que são inerentes ao estatuto e à função do cargo presidencial que desempenha. Cargo que implica "majestade", no mais próprio sentido do termo.
Assunção Esteves, naquele momento, escancarou a alma: percebeu-se o que sente pelo desespero daqueles que em tempos a elegeram e agora protestam, bem como a simpatia que tem pelo estado anímico de quem exerce o "direito de resistência" manifestando-se.
Assunção Esteves não esteve à altura do cargo e da função que desempenha. Para estar ter-se-ia limitado a dar instruções à PSP para evacuar as galerias, esperando em majestático silêncio poder retomar os trabalhos. Não o fez. Gritou com os manifestantes. Baixou o nível. Dirigiu-se a quem protestava ordenando-lhes, crispada, que saíssem do parlamento. Berrou contra os berros. Em tom irritado, ultrapassou os limites que lhe eram autorizados pela educação e pela dignidade que o cargo lhe exige.
E nada disso era necessário no exercício dos poderes que tem para conduzir os trabalhos do parlamento. Não sendo necessário, é indesculpável. Das mais altas figuras do Estado esperam-se apenas virtudes. Por isso são os nossos "maiores". Ora toda a respeitabilidade desaparece quando se desce ao nível do bate-boca, da fúria incontida, do descontrolo. Como dominaria a sessão se os deputados portugueses tivessem os hábitos de pugilato comuns noutros parlamentos? Se não foi eleita para ser desrespeitada, claramente desrespeitou-se, bem como a nós.
Depois do que vi e ouvi, nunca mais verei em Assunção Esteves a presidente do parlamento. Verei apenas uma mulher capaz de zanga, irritação, fúria, descontrole.
O que se seguiu ainda foi pior: já com o povo expulso, quis ter um momento de erudição invocando Simone de Beauvoir. Devia ter-se lembrado da "Queda de Um Anjo". Era mais próprio. E ao fazê-lo foi injusta, porque o brando povo luso nunca foi carrasco. Tem sido, isso sim, vítima de muitos carrascos.
Para coroar o episódio, confrontada com o espectáculo dado à nação, não pediu desculpas, não assumiu o erro, não teve o mínimo laivo de humildade. Tentou explicar o inexplicável, desculpar o indesculpável, maquilhar o intolerável. Se o tivesse feito, assumiríamos simplesmente um momento de humanidade. Não o tendo feito, ninguém esquecerá isto.
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