Ter casa ou ter filhos

Expresso, 081129
Fernando Santo

Bastonário dos Engenheiros quer mais mercado de arrendamento

ILUSTRAÇÃO FILIPE ABRANCHES Esta crise financeira mostrou a irracionalidade de um sistema que conduziu milhões de pessoas, sem rendimentos compatíveis, à categoria de ‘proprietários’ da sua habitação.
Em 1970, metade dos fogos construídos em Portugal destinava-se ao mercado de arrendamento, tendo-se construído, nessa década, cerca de 500.000 residências permanentes. Após 1974, o mercado de arrendamento desapareceu, com a obrigação do congelamento das rendas, apesar da inflação e das taxas de juro na casa dos 30%. Quem vivia numa casa arrendada não sofreu o aumento dos custos, mas os restantes tiveram como única solução a compra de habitação, com juro elevadíssimo. Entre 1980 e 1990, o número de fogos construídos para habitação permanente baixou para 275.000.
A partir de 90, o juro foi descendo até se situar abaixo dos 4%, em 2000, o que permitiu aos portugueses a aquisição de habitação com recurso a crédito, a 25 anos. Esse mercado transformou-se numa enorme oportunidade em que todos pareciam ganhar. Os bancos ganham com o crédito e as famílias com a valorização das habitações. Já não se compravam apartamentos mas apenas rendas mensais. A banca é o novo senhorio, sem as regras do mercado de arrendamento.
Para os Governos não podia ser melhor, pois a maioria das famílias tinha resolvido os seus problemas e para as de menores rendimentos concederam-se bonificações e benefícios fiscais. Diminuiu-se assim a pressão para se construírem habitações sociais.
O arrendamento não foi incentivado e os cidadãos continuaram a ser conduzidos para a compra de habitação, apesar do aumento da mobilidade e da precariedade do emprego.
De 1991 a 2002 construíram-se 800.000 fogos para habitação permanente, ultrapassando o total nas duas décadas anteriores.
Quando o juro começou a subir e a criar dificuldades nas famílias, aumentaram-se os prazos dos empréstimos para 40 anos, mantendo a mesma ‘renda’ mensal. Mas quando os preços no mercado imobiliário começam a descer pelo excesso de oferta e as famílias a ter dificuldades em pagar as prestações, começou o verdadeiro problema. Um problema que o Orçamento do Estado de 2009 procura solucionar com um fundo que ajuda a transformar os ‘proprietários’ em novos inquilinos. E assim ressurge o arrendamento como a velha solução.
Apesar das famílias portuguesas terem dos menores rendimentos da UE, Portugal ocupa o 3º lugar na percentagem das famílias que são ‘proprietárias’ da sua residência, sendo um dos países com menor taxa de natalidade. É fácil perceber que o esforço financeiro para comprar casa não deixou dinheiro disponível para muitas outras coisas, nomeadamente para ter filhos.
E continuamos a ter milhares de fogos devolutos, muitos dos quais degradados, à espera de um regime de arrendamento que conduza a uma renda justa, que dê confiança aos senhorios e que torne esse mercado eficiente.
Se os Governos tivessem dado ao mercado de arrendamento uma pequena parte do apoio concedido recentemente ao sistema financeiro, por causa do mercado imobiliário, teríamos mais famílias com casas arrendadas, com menos dívidas, com mais filhos, e cidades com prédios menos degradados.
Espero que esta crise obrigue à racionalização do que temos e à inversão de algumas políticas no sector da habitação.

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