Emergência democrática
Expresso, 20081101
João Bosco Mota Amaral
O ex-presidente da Assembleia da República diz que para vencer a crise é preciso um governo forte e eficaz, visivelmente apoiado pelo povo
A marca atingida pela abstenção nas recentes eleições legislativas na Região Autónoma dos Açores - 53,24%! - deve ter feito acender luzes vermelhas e tocar campainhas estridentes nos quartéis-generais de todos os partidos políticos democráticos, em especial dos que possuem natural vocação maioritária e de governo, PS e PSD.
Nunca se tinha visto tal coisa, em eleições dessas, em mais de trinta anos de democracia em Portugal! E se bem que os resultados regionais apresentem especificidades, que inviabilizam a transposição dos mesmos, no que toca à distribuição partidária dos votos, para o âmbito nacional, já talvez assim não suceda, pela sua significação globalizada, com a abstenção.
O cidadão que não vai votar pode determinar-se por motivações muito diversas. Mas a revolta surda contra a situação e a descrença na possibilidade de a alterar por via eleitoral parecem destacar-se num quadro de crise económico-social grave, com um governo de confortável maioria, tendendo para autoconvencer-se de que tudo vai bem no melhor dos mundos possíveis…
Ora, é isto o que se passa presentemente no nosso país. O PS continua enlevado no seu sucesso maioritário de 2005, nunca antes obtido, nem com um líder da estatura política e projecção nacional de Mário Soares. Os dirigentes socialistas tudo fazem para repetir a façanha, desde negar a evidência da crise ou, pelo menos, a sua gravidade, até prometerem que vai ser vencida com os miríficos remédios previstos no OE-2009, com destaque para o investimento maciço em obras públicas. E despendem energias sem conta fazendo oposição à Oposição, num combate, sem tréguas, de intencional descredibilização, vectorialmente orientado contra Manuela Ferreira Leite e o PSD.
Este cenário corresponde, em grandes linhas, ao que se verificou nos Açores, no período anterior às eleições de 19 de Outubro. Corre-se por isso o risco de dele se derivarem análogas consequências.
As grandes obras públicas, ditas de regime, nem sempre correspondem, na sua dimensão e complementos, a necessidades sociais generalizadamente sentidas. Daí que muitos as possam considerar excessivas ou perdulárias, senão mesmo perigoso sintoma de megalomania; outros aduzem exemplos de carências diferentes, de maior significação humana, preteridas em favor do que propicia festança e foguetório. Por outro lado, boa parte do investimento realizado em tais obras é filtrado para o exterior e acaba por ter impacto imediato fora do território que delas directamente beneficiam.
TGV, auto-estradas, SCUTs ou não, são abrangidos por esta ordem de considerações. É tempo de o Governo parar para pensar - e arrepiar caminho! Se não o fizer, corre sérios riscos.
Aliás, a prova está feita: num envolvimento de crise económico-social grave e generalizada, com famílias endividadas e em dificuldades sérias, empresas a falir, desemprego em alta, empobrecimento da classe média e insegurança pública, o Governo e o partido que o apoia, por mais obra feita que tenham e por mais promessas que façam, não escapam à censura eleitoral. Nos Açores, o PS perdeu 25% do seu eleitorado de há quatro anos, baixando a maioria absoluta de 57% para 49,96%. E isso apesar de sondagens fiáveis, incluindo à boca das urnas, terem apontado para 55% ou ainda mais. No plano nacional, a vantagem disponível não dá para descer tanto e continuar invicto.
Ao PSD incumbe a tarefa patriótica de elaborar e propor uma alternativa sólida às políticas e à equipa do Governo. Perante o melindre da situação nacional, é hora de esquecer querelas e cerrar fileiras.
Num ano político de alta intensidade, com três actos eleitorais entre Junho e Outubro de 2009, precisa-se debate político a sério, sobre os problemas que afectam a vida dos cidadãos e o seu futuro. Propaganda pura e simples, dispensa-se; ataques pessoais devem ser banidos.
O país enfrenta, quer-me parecer, uma verdadeira emergência democrática. A subida da abstenção para o patamar dos 50% ou superior enfraqueceria a legitimidade das instituições.
Para triunfar da crise, no presente quadro europeu e mundial, tão complexo, Portugal tem de ter uma governação forte e eficaz, visivelmente apoiada pelo povo português. Seria penoso - e perigosíssimo! - deixar pairando a dúvida de que a maioria dos eleitores já não se interessa pela democracia e pelas liberdades, que ela exprime e garante.
João Bosco Mota Amaral
O ex-presidente da Assembleia da República diz que para vencer a crise é preciso um governo forte e eficaz, visivelmente apoiado pelo povo
A marca atingida pela abstenção nas recentes eleições legislativas na Região Autónoma dos Açores - 53,24%! - deve ter feito acender luzes vermelhas e tocar campainhas estridentes nos quartéis-generais de todos os partidos políticos democráticos, em especial dos que possuem natural vocação maioritária e de governo, PS e PSD.
Nunca se tinha visto tal coisa, em eleições dessas, em mais de trinta anos de democracia em Portugal! E se bem que os resultados regionais apresentem especificidades, que inviabilizam a transposição dos mesmos, no que toca à distribuição partidária dos votos, para o âmbito nacional, já talvez assim não suceda, pela sua significação globalizada, com a abstenção.
O cidadão que não vai votar pode determinar-se por motivações muito diversas. Mas a revolta surda contra a situação e a descrença na possibilidade de a alterar por via eleitoral parecem destacar-se num quadro de crise económico-social grave, com um governo de confortável maioria, tendendo para autoconvencer-se de que tudo vai bem no melhor dos mundos possíveis…
Ora, é isto o que se passa presentemente no nosso país. O PS continua enlevado no seu sucesso maioritário de 2005, nunca antes obtido, nem com um líder da estatura política e projecção nacional de Mário Soares. Os dirigentes socialistas tudo fazem para repetir a façanha, desde negar a evidência da crise ou, pelo menos, a sua gravidade, até prometerem que vai ser vencida com os miríficos remédios previstos no OE-2009, com destaque para o investimento maciço em obras públicas. E despendem energias sem conta fazendo oposição à Oposição, num combate, sem tréguas, de intencional descredibilização, vectorialmente orientado contra Manuela Ferreira Leite e o PSD.
Este cenário corresponde, em grandes linhas, ao que se verificou nos Açores, no período anterior às eleições de 19 de Outubro. Corre-se por isso o risco de dele se derivarem análogas consequências.
As grandes obras públicas, ditas de regime, nem sempre correspondem, na sua dimensão e complementos, a necessidades sociais generalizadamente sentidas. Daí que muitos as possam considerar excessivas ou perdulárias, senão mesmo perigoso sintoma de megalomania; outros aduzem exemplos de carências diferentes, de maior significação humana, preteridas em favor do que propicia festança e foguetório. Por outro lado, boa parte do investimento realizado em tais obras é filtrado para o exterior e acaba por ter impacto imediato fora do território que delas directamente beneficiam.
TGV, auto-estradas, SCUTs ou não, são abrangidos por esta ordem de considerações. É tempo de o Governo parar para pensar - e arrepiar caminho! Se não o fizer, corre sérios riscos.
Aliás, a prova está feita: num envolvimento de crise económico-social grave e generalizada, com famílias endividadas e em dificuldades sérias, empresas a falir, desemprego em alta, empobrecimento da classe média e insegurança pública, o Governo e o partido que o apoia, por mais obra feita que tenham e por mais promessas que façam, não escapam à censura eleitoral. Nos Açores, o PS perdeu 25% do seu eleitorado de há quatro anos, baixando a maioria absoluta de 57% para 49,96%. E isso apesar de sondagens fiáveis, incluindo à boca das urnas, terem apontado para 55% ou ainda mais. No plano nacional, a vantagem disponível não dá para descer tanto e continuar invicto.
Ao PSD incumbe a tarefa patriótica de elaborar e propor uma alternativa sólida às políticas e à equipa do Governo. Perante o melindre da situação nacional, é hora de esquecer querelas e cerrar fileiras.
Num ano político de alta intensidade, com três actos eleitorais entre Junho e Outubro de 2009, precisa-se debate político a sério, sobre os problemas que afectam a vida dos cidadãos e o seu futuro. Propaganda pura e simples, dispensa-se; ataques pessoais devem ser banidos.
O país enfrenta, quer-me parecer, uma verdadeira emergência democrática. A subida da abstenção para o patamar dos 50% ou superior enfraqueceria a legitimidade das instituições.
Para triunfar da crise, no presente quadro europeu e mundial, tão complexo, Portugal tem de ter uma governação forte e eficaz, visivelmente apoiada pelo povo português. Seria penoso - e perigosíssimo! - deixar pairando a dúvida de que a maioria dos eleitores já não se interessa pela democracia e pelas liberdades, que ela exprime e garante.
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