O sonho americano

Expresso, 20081111
João Carlos Espada
jcespada@netcabo.pt

Embora, no Ocidente, todos tenhamos a felicidade de viver em sociedades abertas, a sociedade americana é, de todas elas, a mais aberta
Em 1960, Friedrich A. Hayek dedicou o seu livro ‘A Constituição da Liberdade’ à “civilização desconhecida que está a crescer na América”. A obra constitui uma defesa poderosa de um sistema político, económico e social fundado em regras gerais de boa conduta. Este sistema - expresso numa economia de mercado e empresa livre, bem como no governo representativo limitado pela lei - era por ele contrastado com todas as formas de ordem social autoritárias.
Todas as ordens autoritárias assentam, segundo Hayek, na substituição de regras gerais de boa conduta por comandos específicos visando promover resultados particulares. A América era, para Hayek, o melhor exemplo de uma ordem social aberta, para usar a expressão do seu amigo Karl Popper. Nesta ordem aberta, resultados particulares não podem ser previstos, nem centralmente desenhados: eles simplesmente emergem da interacção livre entre cidadãos livres. Por isso, a civilização à qual Hayek dedicou o seu livro - a que estava a crescer na América - tinha um futuro necessariamente desconhecido.
Que este argumento possa ter sido acusado de reaccionário, por vezes mesmo de fascista, é uma ilustração da mais febril e crua ignorância. Mas Hayek tinha razão: embora, no Ocidente, todos tenhamos a felicidade de viver em sociedades abertas, a sociedade americana é, de todas elas, a mais aberta. Só na América poderia um «outsider» como Barack Obama ser eleito Presidente à primeira tentativa.
Os críticos da sociedade aberta americana acusam-na de ser controlada pelo dinheiro. Mas foi a livre doação de dinheiros privados que permitiu a Obama ultrapassar largamente os orçamentos dos seus rivais, apoiados por poderosas máquinas partidárias.
Os críticos da sociedade aberta americana acusam os partidos políticos de serem federações de interesses, sem coesão ideológica ou organizativa. Mas foi essa fluidez dos partidos, abertos à escolha de candidatos pelos eleitores, que permitiu a emergência de um «outsider» com impressionante apelo popular.
Os críticos da sociedade aberta americana acusam-na de possuir um governo pequeno, incapaz de pôr na ordem poderosos grupos de interesses. Mas é esse pluralismo civil que permite a «outsiders» - como foi o caso de Obama, mas também de John McCain - desafiar e derrotar candidatos estabelecidos.
Em suma, Hayek e Popper tinham razão. Tanto quanto podemos supor, dificilmente teriam apoiado Barack Obama. Mas reconheceriam na sua eleição o resultado de uma ordem livre e aberta. A ironia desta história reside no facto de tantos defensores de Obama, sobretudo na Europa, detestarem as regras gerais de abertura que permitiram elegê-lo.

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