Não, pelos vistos não podemos
Expresso, 20081111
Miguel Monjardino
miguelmonjardino@gmail.com
A América é um país onde tudo - do péssimo ao excelente - é possível. É também um país com enorme fé e confiança em relação ao futuro. Portugal não podia ser mais diferente. Somos o país onde praticamente nada é possível
Manhã na América, noite em Portugal. A frase resume o que senti na madrugada de quarta-feira quando se tornou claro que Barack Obama seria o próximo Presidente dos EUA.
Sei que a maior parte das pessoas com quem tenho falado nos últimos dias não pensa assim. Estas pessoas acham que a vitória de Obama diminuiu a distância política entre as duas margens do Atlântico. Acham também que com esta vitória a América se aproximou da Europa. A ideia de que os EUA de Barack Obama vêm finalmente ter connosco é muito agradável. O problema é que não é verdade. Esta semana, o mundo está cheio de fantasias. Esta é apenas mais uma. Mas é também uma fantasia particularmente penosa para nós.
O que aconteceu na quarta-feira foi que a maioria dos americanos assumiu o risco de traçar um novo rumo para o seu país. Pela parte que me toca, acho que esta América inclui John McCain e muitas pessoas que votaram nele. Uma das melhores coisas que poderiam acontecer a Portugal nos próximos anos seria as elites nacionais aproveitarem esta viagem dos EUA para prestar atenção ao que vai acontecer nas cidades, empresas e universidades americanas e começar a reformar profundamente o país. Infelizmente para todos nós, há poucas possibilidades de tal vir a acontecer. O resultado é um Atlântico bastante maior. Do lado de lá, diz-se, pensa-se e age-se com base na ideia de que é possível fazer melhor. Do lado de cá, reina a resignação e a sensação de que infelizmente não podemos ou, pior, não queremos fazer o mesmo.
Escrevo estas linhas perfeitamente consciente das dificuldades internas norte-americanas e das dúvidas que rodeiam Barack Obama e as suas prioridades políticas. Começando pelas dificuldades, elas são evidentes no campo da economia e do sistema financeiro. Se olharmos com mais atenção, vemos outros problemas importantes. O sistema de educação público norte-americano precisa de ser drasticamente melhorado. Há demasiados alunos que nunca irão ter uma oportunidade na vida se muitas escolas públicas continuarem como estão. Na ausência de uma reforma profunda, o sistema de Segurança Social levará o país à falência. A irresponsabilidade fiscal da maioria dos democratas e republicanos no Congresso tem sido de tal ordem que o futuro das próximas gerações americanas pode estar em risco. A actual geração americana tem vivido à custa dos seus filhos e netos.
Uma passagem pelos principais aeroportos americanos mostra-nos que as infra-estruturas do país - estradas, portos, pontes, aeroportos, caminhos-de-ferro - precisam de atenção e muito investimento. A comparação com muitas cidades europeias ou com as cidades chinesas mais perto da costa do Pacífico é penosa. Como Thomas L. Friedmam escreveu numa das suas colunas no ‘New York Times’ “nunca quero ter de dizer às minhas filhas que elas têm de ir à China para ver o futuro”. Dito de outra forma, a América precisa de levar a cabo uma enorme reconstrução interna.
No que toca a Barack Obama, a sua vitória é um enorme acontecimento social e político. Tudo indica que vamos ter muitas saudades da extraordinária campanha presidencial do senador de Illinois. Dito isto, este não é o momento para euforias e utopias. A campanha e a vitória não nos garantem que Obama seja um grande Presidente. A história está cheia de políticos que fizeram grandes campanhas políticas e se revelaram governantes medíocres. Governar é sempre muito difícil. Além disso, Obama é um novato em Washington e não sabemos como é que os democratas que controlam o Congresso - esquerdistas, conservadores e pragmáticos - vão reagir às suas propostas.
No meio deste mar de dificuldades e de dúvidas, o que é que me leva então a estar optimista em relação ao futuro dos EUA? Duas coisas. A primeira é a suspeita de que Barack Obama tem um temperamento de primeira classe e que a sua opção será governar ao centro. A segunda é que o seu modelo político será Ronald Reagan, um Presidente optimista e com enorme capacidade de mobilizar os americanos.
A América é um país onde tudo - do péssimo ao excelente - é possível. É também um país com enorme fé e confiança em relação ao futuro. Como John McCain disse no final do seu grande discurso de derrota, “nunca nos escondemos da história, nós fazemos história”. Portugal não podia ser mais diferente. Somos o país onde praticamente nada é possível. O problema de Portugal não é ser um país conservador. O conservadorismo, com o seu apelo à experiência, ao conhecimento e à prudência, tem muitas virtudes. Não, o nosso problema é sermos um país com elites profundamente reaccionárias, avessas à mudança, ao risco, à prestação de contas e à inovação. A maioria das elites nacionais parece não ter o menor interesse em fazer história. O que as atrai é o oposto - ser protegida da história. Portugal é uma sombra do que poderia ser. E é por isso mesmo que na madrugada de quarta-feira a distância entre os EUA e Portugal aumentou.
Caio Júlio César
Vivemos numa época de grandes acontecimentos políticos. Estes acontecimentos exigem lideranças políticas, governos e elites competentes, educadas e curiosas em relação ao que se passa no mundo. Sem isso, os processos de decisão penderão sempre para o lado das más decisões. O que é que caracteriza os grandes líderes políticos? O que é que a história nos mostra? Caio Júlio César é um nome sempre citado e intensamente discutido sempre que se fala de lideranças políticas e militares. Ferozmente inteligente, talentoso e ambicioso, César foi um enorme líder político, um grande general e um escritor dotado. A publicação do livro de Adrian Goldsworthy, ‘César. A Vida de um Colosso’ (Lisboa: A Esfera dos Livros, 2008), tradução de Francisco Paiva Boléo, é particularmente oportuna.
Miguel Monjardino
miguelmonjardino@gmail.com
A América é um país onde tudo - do péssimo ao excelente - é possível. É também um país com enorme fé e confiança em relação ao futuro. Portugal não podia ser mais diferente. Somos o país onde praticamente nada é possível
Manhã na América, noite em Portugal. A frase resume o que senti na madrugada de quarta-feira quando se tornou claro que Barack Obama seria o próximo Presidente dos EUA.
Sei que a maior parte das pessoas com quem tenho falado nos últimos dias não pensa assim. Estas pessoas acham que a vitória de Obama diminuiu a distância política entre as duas margens do Atlântico. Acham também que com esta vitória a América se aproximou da Europa. A ideia de que os EUA de Barack Obama vêm finalmente ter connosco é muito agradável. O problema é que não é verdade. Esta semana, o mundo está cheio de fantasias. Esta é apenas mais uma. Mas é também uma fantasia particularmente penosa para nós.
O que aconteceu na quarta-feira foi que a maioria dos americanos assumiu o risco de traçar um novo rumo para o seu país. Pela parte que me toca, acho que esta América inclui John McCain e muitas pessoas que votaram nele. Uma das melhores coisas que poderiam acontecer a Portugal nos próximos anos seria as elites nacionais aproveitarem esta viagem dos EUA para prestar atenção ao que vai acontecer nas cidades, empresas e universidades americanas e começar a reformar profundamente o país. Infelizmente para todos nós, há poucas possibilidades de tal vir a acontecer. O resultado é um Atlântico bastante maior. Do lado de lá, diz-se, pensa-se e age-se com base na ideia de que é possível fazer melhor. Do lado de cá, reina a resignação e a sensação de que infelizmente não podemos ou, pior, não queremos fazer o mesmo.
Escrevo estas linhas perfeitamente consciente das dificuldades internas norte-americanas e das dúvidas que rodeiam Barack Obama e as suas prioridades políticas. Começando pelas dificuldades, elas são evidentes no campo da economia e do sistema financeiro. Se olharmos com mais atenção, vemos outros problemas importantes. O sistema de educação público norte-americano precisa de ser drasticamente melhorado. Há demasiados alunos que nunca irão ter uma oportunidade na vida se muitas escolas públicas continuarem como estão. Na ausência de uma reforma profunda, o sistema de Segurança Social levará o país à falência. A irresponsabilidade fiscal da maioria dos democratas e republicanos no Congresso tem sido de tal ordem que o futuro das próximas gerações americanas pode estar em risco. A actual geração americana tem vivido à custa dos seus filhos e netos.
Uma passagem pelos principais aeroportos americanos mostra-nos que as infra-estruturas do país - estradas, portos, pontes, aeroportos, caminhos-de-ferro - precisam de atenção e muito investimento. A comparação com muitas cidades europeias ou com as cidades chinesas mais perto da costa do Pacífico é penosa. Como Thomas L. Friedmam escreveu numa das suas colunas no ‘New York Times’ “nunca quero ter de dizer às minhas filhas que elas têm de ir à China para ver o futuro”. Dito de outra forma, a América precisa de levar a cabo uma enorme reconstrução interna.
No que toca a Barack Obama, a sua vitória é um enorme acontecimento social e político. Tudo indica que vamos ter muitas saudades da extraordinária campanha presidencial do senador de Illinois. Dito isto, este não é o momento para euforias e utopias. A campanha e a vitória não nos garantem que Obama seja um grande Presidente. A história está cheia de políticos que fizeram grandes campanhas políticas e se revelaram governantes medíocres. Governar é sempre muito difícil. Além disso, Obama é um novato em Washington e não sabemos como é que os democratas que controlam o Congresso - esquerdistas, conservadores e pragmáticos - vão reagir às suas propostas.
No meio deste mar de dificuldades e de dúvidas, o que é que me leva então a estar optimista em relação ao futuro dos EUA? Duas coisas. A primeira é a suspeita de que Barack Obama tem um temperamento de primeira classe e que a sua opção será governar ao centro. A segunda é que o seu modelo político será Ronald Reagan, um Presidente optimista e com enorme capacidade de mobilizar os americanos.
A América é um país onde tudo - do péssimo ao excelente - é possível. É também um país com enorme fé e confiança em relação ao futuro. Como John McCain disse no final do seu grande discurso de derrota, “nunca nos escondemos da história, nós fazemos história”. Portugal não podia ser mais diferente. Somos o país onde praticamente nada é possível. O problema de Portugal não é ser um país conservador. O conservadorismo, com o seu apelo à experiência, ao conhecimento e à prudência, tem muitas virtudes. Não, o nosso problema é sermos um país com elites profundamente reaccionárias, avessas à mudança, ao risco, à prestação de contas e à inovação. A maioria das elites nacionais parece não ter o menor interesse em fazer história. O que as atrai é o oposto - ser protegida da história. Portugal é uma sombra do que poderia ser. E é por isso mesmo que na madrugada de quarta-feira a distância entre os EUA e Portugal aumentou.
Caio Júlio César
Vivemos numa época de grandes acontecimentos políticos. Estes acontecimentos exigem lideranças políticas, governos e elites competentes, educadas e curiosas em relação ao que se passa no mundo. Sem isso, os processos de decisão penderão sempre para o lado das más decisões. O que é que caracteriza os grandes líderes políticos? O que é que a história nos mostra? Caio Júlio César é um nome sempre citado e intensamente discutido sempre que se fala de lideranças políticas e militares. Ferozmente inteligente, talentoso e ambicioso, César foi um enorme líder político, um grande general e um escritor dotado. A publicação do livro de Adrian Goldsworthy, ‘César. A Vida de um Colosso’ (Lisboa: A Esfera dos Livros, 2008), tradução de Francisco Paiva Boléo, é particularmente oportuna.
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