As últimas horas de Sócrates em liberdade

José António Saraiva Sol, 2014.12.18
Sócrates partiu para Paris na manhã de quarta-feira, dia 19 de Novembro. Tudo indica que, nessa altura, já soubesse que a sua detenção estava iminente.
À chegada a Lisboa, Sócrates foi preso. Mas antes de embarcar avisou um jornalista no qual depositava confiança - talvez para rodear a sua prisão de grande escândalo
Na véspera tinha almoçado com o ex-procurador-geral da República, Pinto Monteiro. O almoço fora marcado com urgência, de um dia para o outro. Pinto Monteiro tinha um exame médico nessa manhã e avisou que poderia chegar atrasado. Sócrates não se importou, e disse que esperaria o tempo que fosse preciso. Acabou por esperar uma hora no restaurante.
Basta isto para perceber que não se tratava de um almoço de circunstância, como tentou fazer crer o ex-PGR. O pretexto alegadamente apresentado por Sócrates era oferecer a Pinto Monteiro um exemplar autografado do seu livro. Mas este fora publicado um ano antes e Pinto Monteiro até já o tinha, pois estivera presente no lançamento. Parece, pois, totalmente inverosímil Sócrates marcar um almoço de urgência para esse fim.
Pinto Monteiro disse que nesse almoço falaram de livros e de viagens. É bem possível. Sócrates deve ter-lhe oferecido o livro - e também lhe disse com certeza que iria viajar para Paris no dia seguinte. Ora, sendo quase certo que esperava ser detido a qualquer momento, quereria possivelmente saber se Pinto Monteiro estava a par de alguma coisa e saberia pormenores do processo. Isto explicaria a urgência do almoço.
Como previsto, Sócrates partiu para Paris na quarta-feira e deveria regressar na quinta. Também é difícil acreditar que esta viagem não tivesse qualquer relação com o processo em curso. O que poderia determinar uma viagem-relâmpago de pouco mais de 24 horas? O que iria Sócrates fazer de tão urgente a Paris?
Na capital francesa, o ex-primeiro-ministro encontrou-se com os seus alegados cúmplices Carlos Santos Silva e Gonçalo Trindade Ferreira, que entretanto tinham ido à pressa a Londres. Um e outro eram apresentados como seus testas-de-ferro em vários negócios.
Ainda em Paris, Sócrates conversou com o responsável da Octapharma em Portugal, Joaquim Lalanda de Castro, com o qual tinha um alegado esquema de entregas mensais de dinheiro. Lalanda receberia 12 mil euros por portas travessas que juntaria aos outros 12 mil que a Octapharma pagava a Sócrates. Este receberia assim 24 mil euros mensais, quantia indispensável para fazer face às suas despesas.
Ao contrário do previsto, José Sócrates não viajou para Lisboa na quinta-feira, pois adiou o voo para sexta. E na sexta voltou a adiar, já com o check-in feito, sendo obrigado a trocar o bilhete de classe executiva por turística, pois a outra estava completa.
Este segundo adiamento teve obviamente que ver com os acontecimentos da noite anterior, em que os seus amigos Santos Silva e Trindade Ferreira haviam sido presos à chegada ao aeroporto de Lisboa.
A partir daí, Sócrates sabia que iria ser o próximo detido. Por isso, o seu advogado João Araújo viajou de urgência de Lisboa para Paris e teve com ele uma demorada conversa em que discutiram o que fazer.
Mesmo sabendo que seria detido na Portela, Sócrates não podia deixar de regressar ao país. O mandado de detenção estava passado, e se ele não viesse haveria um mandado de detenção europeu e o ex-primeiro-ministro seria localizado num qualquer país da Europa e extraditado para Portugal. Além disso, a tentativa de fuga seria um reconhecimento de culpa.
José Sócrates tinha, pois, de regressar a Lisboa, inteirar-se dos crimes de que era suspeito e preparar a defesa.
Se saísse em liberdade, só com termo de identidade e residência, poderia viajar para o Brasil, como estava previsto, e aí as coisas seriam diferentes. No Brasil não existiria o perigo de extradição, como na Europa. Sócrates poderia ficar lá por tempo indeterminado, a pretexto de estar a tratar de assuntos da Octapharma, adiando sucessivamente o regresso a Lisboa. Estes eventuais planos seriam, contudo, gorados pela prisão preventiva decretada pelo juiz Carlos Alexandre.
De qualquer modo, antes de ser detido, Sócrates rodeou-se de cuidados. Na noite de 20 para 21 de Novembro (de quinta para sexta-feira), deu instruções à empregada de limpeza no Edifício Heron Castilho para retirar o computador de sua casa e mudá-lo para outro apartamento.
À chegada a Lisboa, Sócrates seria efectivamente preso. Mas antes de embarcar fizera outra coisa insólita: avisara um jornalista no qual depositava confiança da sua vinda e previsível detenção. Deste modo, pretenderia que a sua prisão fosse rodeada de grande aparato mediático - fazendo recordar o episódio Strauss-Kahn -, causando um escândalo de enormes dimensões.
Mas os agentes esperaram-no discretamente à saída da manga, conduziram-no discretamente através de uma zona reservada do aeroporto, e as únicas imagens que existem são de um carro onde não se sabe quem vai, filmado por um telemóvel ou uma câmara de vídeo do sistema de segurança.
Aqui ficam as últimas 80 horas de José Sócrates em liberdade. Deixo ao cuidado do leitor julgar se o seu comportamento foi o de um homem que não tem nada a esconder - ou se, pelo contrário, Sócrates agiu como um suspeito.
Para mim, o encontro em Paris com Santos Silva e Trindade Ferreira indicia que tinham coisas a combinar antes da detenção; o encontro com o homem da Octapharma indicia que tinham de acertar contas para não caírem em contradição; o encontro com o advogado João Araújo indicia a preparação da defesa; e a ordem à empregada para esconder o computador indicia a tentativa de ocultação de provas.

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