ARQUEOLOGIA INDUSTRIAL
Jorge Calado
Expresso, 2014.12.20
O passado é, de facto, um país estrangeiro, isto é, território fadado para turismo. Desde miúdo que ando fascinado pela arqueologia industrial.
O meu ramo científico, termodinâmica, é um produto da Revolução Industrial, cujo ícone, a máquina a vapor, opera a transformação de uma forma de energia noutra. Entre os meus locais de estimação por esse mundo fora estão a Ponte de Ferro (1779) no berço da Revolução Industrial em Coalbrookdale (Inglaterra), o Ruhrgebiet (Alemanha), os moinhos de pólvora de Eleuthère Irénée Du Pont em Wilmington, Delaware (EUA).
Com história curta, sem castelos, palácios e catedrais à moda europeia, a América sabe valorizar o seu passado industrial.
Em Nova Iorque, o sucesso do restauro da High Line — a linha de caminho de ferro elevada construída nos anos 30 para tirar os comboios de mercadorias da rua — e sua transformação num passeio público excedeu todas as expectativas.
Chegou agora a vez de os estaleiros navais de Brooklyn serem celebrados numa magnífica exposição na recuperada Casa do Comandante — o Edifício 92 (1858), cujo arquiteto, Thomas Ustick Walter, desenhou o zimbório (estrutura de ferro fundido) do Capitólio, em Washington, D.C. São dois séculos de história de engenharia (o governo federal criou os estaleiros em 1801), da era das velas e madeira às docas secas (1851), à era do ferro e do vapor.
Pelo meio houve o Lyceum (primeira escola de formação e educação dos oficiais de Marinha), o hospital naval, a reabilitação operada pelo New Deal (para criar emprego). Arthur Miller arranjou lá dois part-time durante a II Guerra Mundial.
O último navio de guerra construído (1944) foi o "Mighty Mo" ("USS Missouri"), a bordo do qual foi assinada a rendição do Japão.
Desativados em 1966, os estaleiros foram comprados pela cidade de Nova Iorque.
O processo de restauro começou nos anos 80. Hoje os 120 hectares dos estaleiros são não só um museu vivo como o maior centro industrial verde (pequenas empresas) da América.
Quanto a Portugal, sofremos o drama de ter escapado à Revolução Industrial. Mas há relíquias de um passado recente, por exemplo no Ecomuseu Municipal do Seixal, com o moinho de maré de Corroios e a fábrica de pólvora de Vale de Milhaços (onde existe a única máquina a vapor operacional do país). Um património em ruínas que é urgente salvar.
The Brooklyn Navy Yard — Past, Present and Future
BNY Center, Building 92
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