Iniciativa Legislativa de Cidadãos pelo Direito a Nascer – uma perspectiva de esperança
FERNANDO MAYMONE MARTINS Público, 19/12/2014 - 05:29
Faz todo o sentido reconhecer a evidência de que os direitos da criança têm origem ante-natal e requerem como ponto de partida o direito a nascer.
No panorama da intervenção pública desencadeada pela sociedade civil abre-se uma perspectiva de esperança com a Iniciativa Legislativa de Cidadãos lançada entre nós com o nome "Lei de Apoio à Maternidade e Paternidade – do Direito a Nascer", cuja campanha de recolha de assinaturas está em curso.
Com um mínimo de 35.000 assinaturas, o Parlamento deverá, obrigatoriamente, discutir e votar as propostas nela contidas. Elas visam alterar o regime actual de apoio à maternidade e à paternidade em vários aspectos, incluindo a regulamentação em vigor do aborto a pedido, ou interrupção voluntária da gravidez.
O direito a nascer antecede, por natureza, qualquer outro direito. Sem vida nenhum direito tem lugar. Está hoje acima de qualquer dúvida razoável que o ser que cresce no corpo de uma mulher grávida é um ser humano vivo. E, numa época dominada pela frieza das relações entre as pessoas, vale a pena lembrar que o afecto, a ternura, a tendência instintiva para a protecção que as crianças suscitam – e tanto mais quanto mais frágeis e dependentes! – só confirmam a sua natureza humana. Faz todo o sentido reconhecer a evidência de que os direitos da criança têm origem ante-natal e requerem como ponto de partida o direito a nascer.
É bom notar também que, sob o pretexto da liberdade de escolha (porque a criança, essa, não tem escolha), a mulher que aborta é, na realidade, deixada na maior solidão para tomar aquela que acaba por ser uma das mais amargas decisões da sua vida. Quantas vezes o faz violentando ou abafando o seu instinto maternal, não raro sob a coacção do companheiro ou familiares. Nem sequer lhe é dada a ver a ecografia do seu filho: não vá arrepender-se com a imagem da verdade – como deve ter pensado o legislador!
Seguramente haverá casos em que a pressão é de natureza económica e social. Mas foi para proporcionar uma oportunidade de vida às crianças cujas mães considerassem a possibilidade de abortar que, entre outras iniciativas, foi criada a Ajuda de Berço, na sequência do primeiro referendo sobre o aborto, em 1998, para apenas dar um exemplo.
A resposta às dificuldades tem de ser encontrada no caminho da vida, não da morte.
Porém, para além do drama individual da criança e da sua mãe, vale também a pena olhar para o drama colectivo (para já não falar da generalizada omissão do pai na equação).
Recapitulemos alguns números.
As autoridades da saúde – que mandam imprimir nos maços de tabaco o aviso "Fumar Mata" – informam que o número médio de abortos realizados a pedido da mulher nos últimos três anos foi de 19.000. Ou seja, no momento actual, morrem todos os anos – porque lhes é recusado o direito a nascer – tantas crianças quantas as pessoas transportadas por cem aviões Airbus 320. É como caírem dois aviões destes por semana! Ao fim de dez anos, equivale a riscar do mapa uma cidade maior do que Setúbal ou Coimbra. Uma hecatombe! Como se pode considerar normal (desejável!?) uma catástrofe destas? Caminhamos para o suicídio colectivo e não apenas o ignoramos como o promovemos.
Acresce que, num país com a mais baixa taxa de natalidade do mundo, assumem carácter vital de sobrevivência as medidas de apoio à família, especialmente às famílias numerosas.
Neste ponto têm algum mérito as alterações fiscais contempladas no Orçamento do Estado para 2015. Já não é sem tempo! As famílias são, por natureza, o ambiente próprio de acolhimento dos filhos que normalmente desejam e de que o país precisa. Em tempo de crise não é demais lembrar que a maior riqueza da sociedade são os seus cidadãos e as dificuldades agravadas pelo peso do fisco sobre as famílias não ajudam.
A nossa reduzidíssima natalidade não é, contudo, explicável apenas pelas dificuldades.
Existe também uma questão cultural de relevo, com uma alteração importante das prioridades de muitas famílias, em que a procriação foi remetida para um lugar secundário.
A globalização do consumo, na realidade, acentua o individualismo. A própria cultura prevalecente nos media que, tão capilarmente, penetra nas mentalidades só fortalece o egoísmo e a ambição da satisfação pessoal imediata. E, se é hoje corrente chamar a atenção para as responsabilidades sociais, seria bom que todos, das pessoas comuns às autoridades, dos jornalistas aos comentadores e aos responsáveis institucionais em geral, se lembrassem disso.
As gerações mais novas são insuficientes para repor as mais velhas e estas, entretanto, vivem mais tempo com o aumento da esperança média de vida que, felizmente, se tem verificado. O número de pessoas mais velhas e dependentes aproxima-se da relação de um para um, relativamente aos mais novos e produtivos. Percebe-se o problema das pensões. Todavia, ninguém deseja abandonar os benefícios do Estado social. Como?
Na situação actual, a interrupção voluntária da gravidez, mais do que despenalizada, é promovida. Mais de 20% dos abortos referidos são reincidências e todos – primeiros ou subsequentes – são integralmente financiados pelo Serviço Nacional de Saúde, ou seja, por nós, contribuintes, conferindo direito a uma licença de "parentalidade" de dezasseis a trinta dias, paga a 100% igualmente por nós, contribuintes. Isto, independentemente dos rendimentos da mulher que aborta.
Neste contexto, a Iniciativa Legislativa de Cidadãos "Lei de Apoio à Maternidade e Paternidade – do Direito a Nascer" assume o carácter de uma proposta da maior relevância para o país a merecer acolhimento e aprovação parlamentar. Os interessados poderão encontrar mais informação e impressos para assinaturas em www.pelodireitoanascer.org.
Esta é uma inovação da maior importância e só podemos esperar que, não tendo havido passos dados neste caminho pelas autoridades, os deputados não desperdicem esta oportunidade de reverter uma das piores e mais graves tendências introduzidas na nossa vida social.
Comemoraram-se recentemente os vinte e cinco anos da adopção pelas Nações Unidas da Convenção sobre os Direitos das Crianças, que Portugal ratificou em 21 de Setembro de 1990. É uma boa ocasião não apenas para procurar estimular a natalidade como para proporcionar a Portugal a possibilidade de assumir um lugar pioneiro alargando entre nós, com o direito a nascer, os direitos das crianças.
Cardiologista pediatra, presidente da Assembleia Geral da Ajuda de Berço, ex-presidente da Sociedade Europeia de Cardiologia Pediátrica
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