Porque é que o ISIS decapita os reféns?

Rui Ramos | OBSERVADOR | 12/10/2014

O apelo do Estado Islâmico – "jihadi cool" -- acabará apenas no dia em que for militarmente destruído, ou quando um novo "califa" optar pela banalidade da moderação.

O Estado Islâmico no Iraque e na Síria (ISIS) não parece fazer sentido para os ocidentais. O ISIS avançava no terreno. Porque é que, com a perseguição às comunidades religiosas no Iraque e a decapitação de jornalistas, deu aos governos ocidentais o pretexto para intervir? E agora, sob as bombas, porque é que não se faz de vítima inocente como o Hamas em Gaza?
A tendência natural é para pensar que o ISIS é simplesmente demente e apocalíptico. Talvez seja. Mas nem por isso deixa de ter razões para fazer o que faz. O ISIS não enfrenta Israel, mas inimigos fracos. Interessa-lhe, portanto, não a reputação de vítima, mas a fama de potência violenta e implacável, adequada para desmotivar qualquer resistência. Por outro lado, o ISIS é o resultado de enxertos de gente de procedência vária. O terror é-lhe útil. Cria o que Tucídides chamava a "comunhão na culpa" entre a sua tropa heteróclita. Limita contactos com o inimigo e, em consequência, as mudanças de campo frequentes nas guerras da região. E a intervenção ocidental, desde que limitada, ajuda-o a retratar os seus adversários como fantoches americanos.
O ISIS sabe também que o Ocidente não são só aviões, drones, e mísseis. O poder do Ocidente é feito de consumos e de costumes. Para o projecto do ISIS de retornar aos tempos proféticos, essas coisas não são menos letais. Convém-lhe uma muralha da China feita de sangue, que exclua quaisquer intercâmbios. Os shoguns do Japão no século XVII, para se protegerem da influência ocidental, também optaram pela pornografia dos sacrifícios humanos, martirizando sistematicamente todos os missionários e convertidos. Resultou: a ilha manteve-se mais ou menos isolada até uma armada americana, no século XIX, forçar as portas.
Com o ISIS, não haverá cenas como a da visita de Jane Fonda a Hanói em Julho de 1972. Todos os ocidentais sabem que o seu destino no Estado Islâmico é acabar de joelhos no deserto, com um pijama cor-de-laranja. Sejam jornalistas ou "trabalhadores humanitários", cristãos ou muçulmanos (como o convertido Peter Kassig), de direita ou de esquerda – é indiferente. Para o califado, somos todos a mesma coisa, todos igualmente capazes de introduzir o vírus de uma civilização materialista no reino do profeta.
Como é que então o ISIS atrai jovens combatentes no Ocidente? A imprensa ocidental não tem parado de se pasmar. Mais uma vez, sem razão. Os jovens recrutas ocidentais do ISIS aderem, não apesar da barbárie, mas precisamente por causa da barbárie. No Ocidente, os revolucionários e os tradicionalistas ficam-se por escrever teses de doutoramento ou falar ao megafone em manifestações autorizadas. O ISIS, não. O ISIS tornou reais o niilismo e a selvajaria que no Ocidente estão geralmente confinados à elaboração intelectual ou aos jogos electrónicos. Para quem pretenda desligar-se da moderna civilização ocidental, até para perversamente poder satisfazer um dos anseios dessa mesma civilização, o de sobressair e ser notado, o ISIS faz sentido.
A sedução do extremismo e da intolerância não nos deveria surpreender. A perseguição aos judeus não afastou ninguém dos Nazis e as denúncias do Gulag nunca perturbaram a popularidade de Estaline no Ocidente. O Nazismo só perdeu o encanto quando perdeu a guerra, e a União Soviética, quando os sucessores de Estaline renegaram os seus crimes. O apelo do Estado Islâmico – "jihadi cool" — acabará apenas no dia em que for militarmente destruído, ou quando um novo "califa" optar pela banalidade da moderação. No que diz respeito à história da humanidade, o ISIS não é uma nova lição: é uma revisão de matéria dada

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