Putin vencedor na Ucrânia sem esperar por General Inverno
LEONÍDIO PAULO FERREIRA| DN 18 outubro 2014
Podia-se pensar que é do ébola e do Estado Islâmico a culpa de a crise ucraniana desaparecer das primeiras páginas dos jornais. E que a leste nada de novo. Não é verdade. Assiste-se à "hibernação da crise ucraniana", como sublinha o inspirado título da análise de Pilar Bonet, correspondente do El País em Moscovo. E os últimos acontecimentos são reveladores, desde o encontro de ontem entre os presidentes Porochenko e Putin, que se não deu em nada também não gerou novas tensões, até à decisão russa de retirar as tropas que nestes meses têm feito exercícios na fronteira com a Ucrânia.
Já se sabia que a aproximação do tempo frio jogaria a favor de Moscovo. Neste caso, o famoso General Inverno não teria de vir em socorro de um país invadido por exércitos estrangeiros, fosse o napoleónico em 1812 ou o nazi em 1941, mas sim reforçar o cerco a um complicado vizinho, essa Ucrânia que tanto é o berço da nação russa como insiste num nacionalismo antirrusso que se confunde com o desejo de aproximação à União Europeia.
Sem o gás que chega da Rússia, as casas dos 45 milhões de ucranianos arriscam-se a gelar nos próximos tempos. E Porochenko sabe que está na hora de conquistar alguma boa vontade de Putin, para que este não use os argumentos dos pagamentos em dívida à Gazprom para fechar as torneiras. Aliás, o homem que só foi eleito presidente depois da revolta da Praça Maidan, da perda da Crimeia e do início da guerra civil no Leste do país, também já percebeu que a aproximação do frio está a travar os ímpetos até dos países mais aguerridos face ao Kremlin. Se é assim no princípio do outono, que pensar quando vierem os ventos siberianos?
"Uma boa parte dos membros da NATO já começou calmamente a inclinar-se para Moscovo", alerta Jackson Diehl, no Washington Post. Num artigo intitulado "Os europeus de Leste estão a curvar-se perante o poder de Putin", o analista cita não só o óbvio caso da Hungria de Viktor Orban, admirador do senhor do Kremlin, como a surpreendente mudança de atitude da Polónia, rotulada como o mais falcão dos falcões e defensora de sanções pesadas a Moscovo: "E temos a Polónia, que até recentemente estava a liderar o esforço da NATO e da União Europeia para apoiar o frágil governo ucraniano pró-ocidental e punir a agressão de Putin. Este mês a nova primeira-ministra, Ewa Kopacz, ordenou ao ministro dos Negócios Estrangeiros para rever urgentemente a sua política. E disse ao Parlamento estar preocupada com o "isolamento da Polónia" na Europa que poderia resultar de "objetivos irrealistas" na Ucrânia."
Porquê esta reviravolta? Diehl fala da descrença nos países da Europa de Leste, ex-membros do Pacto de Varsóvia, de que a NATO, sobretudo a América, viria em socorro se um dia a Rússia atacasse. Sobretudo, ninguém vê vantagens em testar uma potência cada vez mais confiante e - mostram as sondagens - com um povo solidário com o líder no braço-de-ferro por causa da Ucrânia. Na origem da viragem polaca estará ainda a questão energética: 23% do consumo da União Europeia chega da Rússia.
Também não favorece a posição negocial de Porochenko que o Parlamento de Kiev, ainda dominado pelas forças que derrubaram o pró-russo Yanukovich, insista numa lógica antirrussa mesmo depois do acordo em setembro para um cessar-fogo.
"As recentes notícias de que 57 deputados do Parlamento ucraniano tiveram sucesso na sua petição ao tribunal constitucional para averiguar a constitucionalidade da lei da língua de 2002 deveria gerar um lamento coletivo de todos aqueles que têm esperança numa Ucrânia pacífica, estável e democrática", escreve no Moscow Times Matthew Kupfer.
Este membro do Centro de Estudos Russos da Universidade de Harvard relembra que a tal lei, que reconhece o bilinguismo em várias regiões, foi atacada assim que os revoltosos de Maidan chegaram ao poder em fevereiro e que na altura foi o presidente interino Oleksandr Turchyniv a recusar a revogação. Mesmo assim, a tentativa foi uma das justificações para os russófonos da Crimeia organizarem o referendo que levou à anexação pela Rússia. "Esta velha batalha linguística só enfraquece o Estado ucraniano e assim beneficia o Kremlin", afirma Kupfer.
Outro sinal da desorganização das autoridades ucranianas, por contraponto ao calculismo russo, foi denunciada pelo Kyiv Post e tem que ver com um telefonema entre Porochenko e Durão Barroso. O ainda presidente da Comissão Europeia terá chamado a atenção para os 25 milhões de euros em ajuda humanitária aos refugiados da guerra civil que não são usados porque as regras básicas não foram cumpridas.
Além da chantagem energética, do abandono pelos europeus e do caos, a Ucrânia continua desesperada por auxílio financeiro. E as perspetivas também não são boas. "Com a economia abalada pela guerra ameaçada por mais interferências russas, a Ucrânia tem necessidade desesperada de novo pacote internacional de ajuda financeira, mas nenhum parece iminente", escreve Steven Mufson no Washington Post.
Uma razão mais para Porochenko, até consciente da fraqueza das suas forças armadas, tentar o diálogo com Putin. Aproveitaria que este, pragmático, mostrou não estar interessado em Lugansk e Donetsk, exigindo antes autonomia para estas e outras regiões povoadas por russófonos. Claro que isso exige a Porochenko bela dose de real politik, pois ao pôr o foco no Leste ucraniano o Kremlin congela a questão da Crimeia, o maior troféu desta crise. Fica assim com tempo para lidar com o impacte nas finanças russas da baixa do preço do petróleo, mais preocupante do que quaisquer sanções.
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