Morte natural
Num país em que o "intelectual de esquerda" dominou o jornalismo e a política durante um século, a proposta de Manuel Valls não provocou a indignação de que se estava à espera.
Manuel Valls, o primeiro-ministro da França, nomeado por Hollande, sugeriu que se tirasse a palavra "socialista" do nome do partido. Num país em que o "intelectual de esquerda" dominou o jornalismo e a política durante um século não provocou a indignação de que se estava à espera.
Houve protestos, claro, e houve indignações, mas de qualquer maneira a proposta não provocou um grande escândalo, nem uma grande surpresa, pela prosaica razão de que o PSF já deixara de ser socialista, pelo menos desde Mitterrand e, com certeza, desde o colapso da URSS. Originalmente, o nome do PSF era SFIO (Section Française de l'Internationalle Socialiste), e embora o SPD alemão fosse maior dominava, antes da II Guerra, o movimento pacifista dos trabalhadores da Europa, que iriam putativamente fazer uma greve geral para meter os governos na ordem.
Como se sabe, um nacionalista tresloucado assassinou Jaurès, o chefe da SFIO, e os trabalhadores preferiram a França à solidariedade internacional. Depois de 1918, os socialistas sofreram passivamente o domínio da direita e o seu único esforço meritório esteve na defesa desesperada do partido contra os comunistas da III Internacional. Em 1936, chegaram finalmente ao poder com Léon Blum, numa "frente popular", que incluía os radicais e os comunistas. O governo de Blum durou pouco. Mas felizmente de caminho conseguiu impor o dia de oito horas (que, com o intervalo de Vichy, ficou para sempre) e duas semanas de férias pagas. Preso e julgado pelos colaboracionistas, Blum pagou por isso anos de prisão e, por um triz, não foi, também ele, abatido pelas SS. De qualquer maneira a guerra acabou mal para a SFIO, que durante a IV República resistiu com a direita à descolonização.
A longa guerra, a longa supremacia da direita, as divisões domésticas e o seu geral desprestígio tornaram a SFIO inútil e obsoleta. Apareceu, assim, o moderno PSF, de que Mitterrand, um estranho ao socialismo, se apropriou. Entretanto, a sociedade mudara, o proletariado acabara por se dissolver numa pequena-burguesia conservadora, o marxismo e o marxismo-leninismo adquiriram a má reputação que amplamente mereciam e a Europa inteira rejeitava a intervenção do Estado na economia. Ou seja, o socialismo perdera o seu fundamento e a sua doutrina. Mesmo o Estado Social em que se refugiou tinha sido começado por outros (na Inglaterra, na Alemanha e até em França) e ninguém no seu juízo queria acabar com ele. Manuel Valls tirou a conclusão evidente. Nada mais.
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