Âncoras
FERNANDO SEARA | DN 2014.10.27
Permitam-me uma nota pessoal. De arranque destas notas quinzenais, mas também de memória e reconhecimento. Quando se perde a Mãe - aqui a Senhora Minha Mãe - perde-se uma das nossas âncoras. Na passada segunda-feira, bem no arranque do dia, fui confrontado com a notícia que não queria escutar. Reconhecemos que a longevidade é uma graça mas que, como tudo, ela também tem limites. No negro da noite, ali no velório da Igreja da Misericórdia em Viseu, pensámos como se recomporá o nosso mundo amputado de um dos seus elementos de referência, de uma das suas matrizes, de uma das suas identidades. Mas a dureza da separação é imensa. E o adeus final é irrepetível. É a consumação. É um passo sem retrocesso. E fica a imagem, uma imagem que se fecha num ritual lento, cadenciado, que quase nos anestesia. Por entre os abraços de reconforto, uns esperados e outros bem inesperados, e manifestações que nos surpreendem de solidariedade, ficamos atordoados quais pardais sem ninho esvoaçando no vazio, na procura do que deixou de ser. Será, porventura, essa a essência do amor. A perda de nós próprios. Sentimo-nos ser. Que o mesmo é dizer sentirmo-nos viventes nesta, nessa comunhão total de existências. Ficarei com a Senhora Minha Mãe no meu coração, na minha memória, na minha alma.
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