Divórcio, casamento natural e matrimónio cristão

GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA
Voz da Verdade, 2014.10.19

Só uma Igreja divorciada de Cristo pode aceitar o divórcio matrimonial

Muito se tem falado e escrito recentemente sobre a possibilidade de os fiéis cristãos divorciados, que vivem maritalmente com uma pessoa a quem se uniram civilmente, acederem à comunhão eucarística. Ora, como a ninguém é lícito comungar vivendo em intimidade com quem não é o seu cônjuge, só será possível se se admitir, para efeitos pastorais, a dissolubilidade do matrimónio cristão.
O matrimónio cristão mais não é, na realidade, do que o casamento natural elevado à condição de sacramento, ou seja, de sinal eficaz da graça da salvação. Muito antes de Cristo e da Igreja, já havia aquela comunhão fecunda de vida e de amor a que, depois, foi dada transcendência sobrenatural. Adão e Eva não casaram pela Igreja, nem na sinagoga, nem no registo civil, mas eram marido e mulher porque o casamento, antes de ser um sacramento cristão, é uma instituição natural, tão antiga quanto a própria humanidade.
É a essa originária união exclusiva e irrevogável que Jesus Cristo se refere quando alude ao «princípio» (Mt 19, 4.8). Por estar essencialmente aberta à vida, essa união só pode ser estabelecida entre uma mulher e um varão e deve durar enquanto os dois cônjuges forem vivos. Estas exigências são propriedades naturais do casamento, que não decorrem, portanto, da sua elevação à ordem sacramental. Quer isto dizer que são universais e, portanto, aplicáveis a todos os seres humanos, quaisquer que sejam as suas  convicções religiosas, políticas, sociais, etc.
As palavras de Cristo quanto à indissolubilidade matrimonial não permitem, a bem dizer, grandes inovações teológicas, ou pastorais. Para o Senhor, marido e mulher são sempre «um só» (Mt 19, 19, 5-6) e, por isso, «não separe o homem o que Deus uniu» (Mt 19, 6). Que «o homem» seja uma autoridade estatal ou eclesial, ou até ambos os cônjuges, pouco importa, na medida em que a proibição, salvo melhor opinião, a todos alcança.
Mas, não é legítimo, segundo o próprio Cristo, no caso de «união ilegal» (Mt 19, 9), o divórcio?! Se o Mestre tivesse permitido, neste caso singular, a dissolução do matrimónio, a Igreja decerto que a não poderia negar, sob pena de contradizer o seu divino fundador. É verdade que Jesus abriu uma excepção, no caso de infidelidade de uma das partes, não para dissolver o matrimónio, mas apenas para legitimar a separação dos cônjuges. Aliás, há dois mil anos, o repúdio era tolerado entre os judeus. Portanto, há situações de extrema gravidade em que a Igreja admite a separação de facto e de direito dos esposos que, diante de Deus, continuam a ser marido e mulher. Com efeito, segundo o texto bíblico, não é permitido à pessoa que repudia, nem à repudiada, mesmo que inocente, um novo casamento: qualquer uma, se «casar com outra, comete adultério» (Mt 19, 9).
Em pleno século XXI, não será excessiva esta exigência, quando tantos cristãos, não obstante o seu compromisso matrimonial, vivem maritalmente com quem não casaram pela Igreja? Sem negar os princípios doutrinais, não seria mais pastoral permitir a comunhão eucarística destes católicos?
Também há dois mil anos a moral matrimonial cristã parecia tão despropositada que alguns fiéis disseram: «Se é essa a situação do homem perante a mulher, não é conveniente casar-se!» (Mt 19, 10). Mas o misericordiosíssimo Cristo não a alterou, nem sequer quando, precisamente a propósito da comunhão eucarística, «muitos dos seus discípulos voltaram para trás e já não andavam com Ele» (Jo 6, 66). Paulo entendia o casamento à luz da nova aliança do Salvador com o seu povo: só uma Igreja divorciada de Cristo poderia aceitar o divórcio matrimonial. Até para Pedro foi difícil, porque teve a dupla infelicidade de ficar viúvo e de ver Jesus curar-lhe a sogra …
Quaisquer que sejam as conclusões sinodais, todos os cristãos, com o Papa e na Igreja, devem confessar a sua fé em Cristo, pois só Ele tem «palavras de vida eterna!» (Jo 6, 68).

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